Le Orme – Collage (1971)

O trabalho de uma banda em estado de evolução, descobrindo aos poucos os alcances de sua criatividade

por Ricardo Alpendre     11 nov 2014

Le Orme - CollageO trabalho de uma banda em estado de evolução, descobrindo novos caminhos e explorando-os, descobrindo aos poucos os alcances de sua criatividade. Collage poderia ser um dos grandes álbuns do rock progressivo italiano, se não tivesse o Le Orme desenvolvido uma carreira prolífica e ampliado ainda mais seus horizontes, ofuscando-o com discos ainda mais importantes.

Como ocorre com tantos grandes artistas, a maior parte do público conheceu primeiro os trabalhos que se tornaram clássicos, portanto é uma relativa surpresa quando se pega o primeiro LP do grupo para escutar. A estreia em Ad Gloriam, de 1969 (gravado em 1968 para o selo CAR Juke Box), é um dos melhores discos do rock italiano do período, no estilo beat com pitadas psicodélicas.

Entra a década de 1970 e a gravadora Philips acerta em cheio contratando a banda originária de Marghera, região de Veneza, que gravará dez álbuns (um deles ao vivo) nos dez anos seguintes pelo selo. O que antes variou entre quarteto e quinteto foi reduzido a um trio, com Aldo Tagliapietra (voz, basso, violão), Antonio Pagliuca (Hammond, pianos) e Michi Dei Rossi (bateria). Essa é a formação que durará até 1975 e será responsável pela consagração do Le Orme. Mas estamos em 1971 e os músicos são recém-saídos de um outro estilo, preparando sua estreia em uma nova gravadora, que lhes abre perspectivas infinitamente maiores, e realizando seu primeiro trabalho progressivo. Meio Genesis, isso, não? A história é até parecida, mas o som é outro. Se Collage soa em parte derivativo, é em relação a outras influências. E isto não tira o brilho nem a importância do álbum.

O fato é que o mercado italiano tinha vinil do Le Orme pra dar e vender naquele início dos anos 70: Além de Ad Gloriam, a CAR Juke Box lançou L’Aurora Delle Orme, uma compilação das gravações que o grupo havia feito para o selo, incluindo compactos, e como forma de cumprir o contrato que prendia os artistas. Duas músicas que não entraram nesse LP de 1970, ficando inéditas na época, mas foram lançadas na reedição em CD, mostram o quanto o Le Orme vinha sendo influenciado pelo The Nice, de Keith Emerson, o que em retrospecto já indicava o caminho pelo qual a sonoridade da banda passaria nesses tempos de Collage.

Ainda antes do álbum, a gravadora lança, em 1970, o compacto “Profumo Delle Violle”, em que o Le Orme já conta com a produção de Gian Piero Reverberi. O notório produtor (além de maestro, arranjador, orquestrador, trilheiro, etc.) exercerá forte influência no trabalho do grupo, atuando neste LP de estreia na Philips e também nos quatro álbuns de estúdio seguintes, Uomo di Pezza (1972), Felona e Sorona (1973), Contrappunti (1974) e Smogmagica (1975). Para se ter uma ideia do prestígio atingido pelo Le Orme, Felona e Sorona teria também uma edição cantada em inglês, lançada pela Charisma, com as versões para as letras escritas e adaptadas por Peter Hammill.

A abertura de Collage, com a faixa-título, mostra o quanto Antonio Pagliuca havia se tornado importante para o som do Le Orme, com sua sonoridade no órgão Hammond e nos teclados em geral, desenvolvendo sua personalidade ainda presa às influências de Keith Emerson. É uma instrumental poderosa, com frases-assinatura que vão se revelar um dos pontos fortes do álbum. Aldo Tagliapietra canta com sua voz “pequena” (é uma característica, e não um defeito) e muito bem colocada a bonita “Era Inverno”, uma relação sentimental atribulada entre o narrador e uma prostituta. Temática à parte, os vocais e a interpretação de Tagliapetra lembram muito as performances introspectivas do rock argentino da mesma época. Essa impressão continua, em menor escala, em “Cemento Armato”, em que o lamento desesperado indica vontade de fugir do ambiente claustrofóbico da metrópole. A jam instrumental domina o ambiente, com breve intervenção da voz, para lembrar que temos alguém tentando gritar dentro da cidade de concreto.

“Sguardo Verso il Cielo” acabaria se tornando a faixa mais conhecida do LP e uma das primeiras responsáveis pelo sucesso do grupo. Se a Philips queria lançar um compacto, esta era mesmo uma opção excelente. Embora essencialmente progressiva, “Sguardo…” tem trechos ganchudos, que ficam na memória do ouvinte de rádio (Ok, do ouvinte daqueles tempos e principalmente da Europa) sem comprometer a identidade que o Le Orme buscava. “Evasione Totale” é uma grande jam instrumental, e das melhores da época, com seu jeitão space rock. “Immagini” mostra a bonita interação de Tagliapietra e Pagliuca. Voz emocionada (afinal, trata-se de bons italianos), órgão e sintetizadores combinando em um momento sublime.

Fechando este clássico, a morte de uma jovem garota e a descoberta de seu corpo são descritas em “Morte de Un Fiore”. A causa da morte: overdose. O Le Orme nunca teria medo de se aventurar, tanto poeticamente quanto em sua musicalidade. E por isso se tornou, a partir de Collage, dono de uma obra vultuosa.

Artigo originalmente publicado na pZ 39, um especial sobre o rock progressivo produzido no ano de 1971

  1. Eduardo Duprat

    Ótimo comentário. LE ORME está para mim entre os top 5 do Progressivo, junto com Moody Blues, Yes, Renaissance, Genesis e Pink Floyd (sendo que esse “sexto” é meio hors concours nesse critério,…).

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