The Nazz: o pop perfeito de garagem

A gravadora queria um novo Monkees, mas um jovem guitarrista e compositor chamado Todd Rundgren tinha planos mais ambiciosos para sua banda

por Bento Araujo     28 jan 2015

The Nazz

 

Com a mesma intensidade fugaz que surgiram eles se foram. A gravadora queria um novo Monkees, mas um jovem guitarrista e compositor chamado Todd Rundgren tinha planos mais ambiciosos para sua banda…

“Em 1965 não existia música progressiva”, relatou Todd em 1973 na publicação Phonograph Record. “Eu sempre quis ser uma estrela, mas nunca tive capacidade para viver de arte ou teatro. O primeiro disco que comprei na vida foi um dos Beatles, daí tudo mudou”.

Nessa época Todd brincava de rockstar num conjunto chamado Money. Todos os integrantes foram abandonando o grupo na medida em que avançavam no colégio, mas Todd não estava pra brincadeira. Queria viver de música. Era então conhecido como o único garoto que tocava slide guitar de toda a Filadélfia. Participou depois do Woody’s Truck Stop, grupo que desejava retratar em suas letras e músicas as altas viagens impulsionadas pelo LSD. Todd era careta e detestava o ácido, assim como Zappa e Townshend. Inspirado aliás por esse último, destruiu sua guitarra no derradeiro concerto do WTS.

Rundgren não era do tipo de sair por aí com uma flor no cabelo, mas por volta de 1967 ele estava animado. Seu estilo natural era favorecido pela criação de explorações musicais psicodélicas e progressivas dos grandes grupos de rock da época como os Beatles, Stones, Beach Boys, Mothers of Invention, Moody Blues, The Move e Procol Harum. Era a época exata para a criação do The Nazz, um novo grupo norte-americano, porém totalmente influenciado pela rusticidade britânica de grupos como Cream, Who e Yardbirds (The Nazz veio de uma obscura canção deles: “The Nazz Are Blue”). Foram considerados o primeiro conjunto “Anglophile” dos EUA, ou seja, o primeiro grupo de rock ianque apaixonado por costumes estritamente britânicos.

Curiosamente, a primeira apresentação ocorreu como banda de abertura dos Doors, em 18 de junho de 1967, no Philadelphia Town Hall. Para os garotos, parecia que estavam num filme, trajavam novos cortes de cabelo e novas roupas. O pessoal do Doors se recusou a trocar algumas palavras com a banda de abertura. A indiferença dos headliners só serviu para fortalecer o novato conjunto.

O show serviu para chamar a atenção de dois caras que eram donos de uma loja local de discos, e que estavam promovendo o show da banda de Jim Morrison. Logo o Nazz estava ensaiando de graça no sótão da loja e passava a ser empresariado de forma amadora pela dupla. Na mesma época o Who tocou na Filadélfia e Todd Rundgren foi procurar Roger Daltrey no hotel onde o grupo inglês estava hospedado. Todd colocou sua melhor roupa e chamou a atenção de Daltrey, que imediatamente perguntou: “Hey, você toca numa banda, certo?” Daltrey estava procurando um novo conjunto para empresariar e produzir. Se interessou pelo Nazz, mas pediu uma pechincha pelo grupo e acabou não levando.

O Nazz acabou caindo na mão de um sujeito espertalhão chamado John Kurland, que já havia trabalhado com o grupo The Remains. John voou o Nazz para a costa Oeste e lá organizou alguns shows. Logo depois mandou os garotos para a costa Leste, onde imediatamente fechou matérias com revistas teen da época. Todas traziam fotos e curiosidades dos rapazes, mas falavam de tudo, menos música. O importante era a banda ser vista não tocando num palco, mas sim nessas publicações, ou chegando de limousine numa festa. A frustração era grande, e só cessou quando se apresentaram no Boston Tea Party, em janeiro de 1968, mostrando sua música para algumas gravadoras interessadas.

Para Todd e seus companheiros de banda – Carson VanOsten (baixo e vocais), Robert “Stewkey” Antoni (teclados e vocais) e Thom Mooney (bateria) – tudo o que eles menos queriam era ser comparados aos Monkees, ou vendidos como uma espécie de “novo Monkees”. Mas claro, esse era o desejo da gravadora que abocanhou os rapazes, a Colgems – um braço da Screen Gems/Columbia, enfeitiçada com o quarteto em tenra idade, rostinhos bonitos e guarda-roupa impecável. O que eles não sabiam é que musicalmente o Nazz estava muito mais para John’s Children ou Tomorrow, do que Herman’s Hermits ou The Monkees. A primeira canção que tocaram juntos foi uma versão para “Train Kept A Rollin’” dos Yardbirds, sim, a mesma que sonorizou o primeiro ensaio do Led Zeppelin.

As grandes sacadas do Nazz foram várias. Primeiro: eram musicalmente melhores do que todas as demais bandas de garagem da época. Segundo: tinham um jovem, voraz e talentoso compositor – Todd Rundgren. Terceiro: tinham um visual que certamente agradaria as cocotas. Mas seria tudo isso suficiente para o grupo decolar?

A gravadora sabia do potencial nas vendas e patrocinava os garotos com as mais transadas roupas. Shows estavam proibidos por enquanto, principalmente depois de abrirem algumas apresentações do Bee Gees, quando a música da banda entrou em contraste mais que direto com a praticada pelos australianos.

O primeiro disco da banda surgiu em setembro de 1968, contendo os quatro rostos dos integrantes sob um fundo negro. Um estilo emblemático de fotografia, iniciado com muita propriedade em With The Beatles e imitado por outros grupos como Queen e Kiss.

A interpretação de British Invasion do Nazz fez escola e influenciou toda uma geração de grupos power-pop norte-americanos dos anos 70, 80 e 90. O álbum de estreia foi gravado em poucos dias, no estúdio ID Sound de Hollywood. Todd apreciava o trabalho de produção de Felix Pappalardi com os Youngbloods, e o queria como produtor do álbum do Nazz. O convite chegou a ser feito e o produtor topou, mas nesse meio tempo Todd ouviu Disraeli Gears do Cream, então o mais novo álbum produzido por Pappalardi. Não gostou do som no geral, principalmente da bateria. O Nazz acabou então sendo produzido por Bill Traut, chefão do selo Dunwich, de Chicago. A experiência não foi das melhores, já que Bill atuou mais como apenas um engenheiro de som, pois segundo Todd, passava a maior parte do tempo lendo o seu jornal.

The Nazz, o disco, é errático no melhor dos sentidos. “Open My Eyes” abre o álbum e é a faixa mais reconhecível do grupo. Foi através dela que gerações e mais gerações travaram conhecimento com a banda, pois fez parte da legendária compilação Nuggets, com pepitas garageiras escolhidas a dedo pelo jornalista, garimpeiro e guitarrista Lenny Kaye. No primeiro acorde “Open My Eyes” parece uma cópia de “I Can’t Explain” do Who, mas o que se segue é uma caleidoscópica cascata de guitarras, órgão, flanger, percussão da pesada, melodias juvenis angustiantes e atitude Mod. Um hino, assim, escancarado, logo de cara. Perfeito.

A pesada “Back Of Your Mind” traz o uso de bumbo duplo de bateria, uma inovação dentro do rock. O clima é hard, pesado, como muitas outras bandas fariam na década seguinte. Quando Todd sola, suando Clapton pelos poros e por cima da base de bumbos de Thom Mooney, vem à mente o inevitável: “Isso foi mesmo gravado e lançado em 1968?” Incrível!

A boa sacada do pessoal foi não ficar preso a um determinado gênero. Com uma maturidade absurda, foram mesclando suas ricas influências, estudando muito bem cada passo, e com a malandragem de parecer não saber o que estavam fazendo. “See What You Can Be” mostra muito isso, inclusive no nome, propriamente dito. Um barato.

A veia melódica de Rundgren já dava seus primeiros sinais de genialidade em “Hello It’s Me”, balada que ele transformaria em mega-hit cinco anos depois, quando já desfrutava de uma exuberante carreira solo.

A beleza imediata do álbum arrancou suspiros de críticos como John Landau, que na época escrevia na Crawdaddy! e na Rolling Stone, antes de se transformar em produtor de discos do MC5, Springsteen, etc. O Nazz oferecia melodia numa época onde muitos grupos queriam apenas ser o mais barulhento, ou o mais pesado. O efeito também foi sentido nas publicações da época. “Muitos dizem que eles soam como os Beatles, mas a harmonia do Nazz é incrivelmente boa. O disco é muito forte e você deve ouvir falar muito sobre eles em breve,” escreveu a revista Go. “Eles tem carisma e diversidade, bom gosto e talento, e podem ir muito longe, “ disse a Hullabaloo de janeiro de 1969. Quem não gostou foi somente a revista Eye: “Não é porque eles são um pouco melhor que lixo que são tudo isso que andam dizendo por aí. São entrosados e tocam bem, mas os vocais são pobres. Duvido que você reconheça o Nazz tocando no rádio, eles não tem estilo.”

Seis noites foram agendadas no Café Au Go Go de Nova York para promover o álbum e o lançamento do compacto de “Open My Eyes”. Ambos não foram muito bem nas paradas. O mais correto seria excursionar pelo maior número possível de estados norte-americanos para promover a estreia, no entanto, a banda se mandou para a Inglaterra, para eles algo como a “terra prometida”. Lá resolveram gravar o segundo disco, que se chamaria Fungo Bat e seria um álbum duplo.

Sessões foram agendadas nos estúdios Trident e Abbey Road; para eles era um sonho que se tornava realidade – gravar onde os Beatles gravavam. Um problema com os vistos de trabalho e com o sindicato dos músicos britânicos atrapalhou tudo e o Nazz acabou gravando apenas uma música na Inglaterra: “Hang On Paul”. Impossibilitados de trabalhar e gravar, acabaram perambulando e curtindo a vida noturna londrina por três semanas, além de dar aquela bela renovada no guarda-roupa, comprando tudo na Carnaby Street e na Portobello Road. E claro, aprenderam como fumar um bom haxixe e como enrolar baseados apropriadamente.

Voltaram aos EUA para gravar o novo álbum com o apoio de James Lowe, vocalista do Electric Prunes, na engenharia de som. Contando com grandes e mais elaboradas composições, as sessões foram um pesadelo, como relembrou Rundgren na revista Mojo: “As coisas começaram a deteriorar rapidamente quando chegamos ao nosso segundo álbum. O material era mais profundo, orientado para teclados. Tornou-se difícil ensinar a Stewkey aquilo tudo… Eu comecei a cantar mais também, pois ele não estava convencido, ou inspirado, pelas novas canções. Todos na banda estavam putos porque eu havia me tornado o produtor – ao mesmo tempo em que eu estava no grupo, eu estava também tentando fazer tudo acontecer. O filme Let It Be, dos Beatles, mostra bem o que acontece quando alguém na banda levanta muito a sua cabeça…”

Stewkey estava frustrado, Todd andava ouvindo bastante Laura Nyro e apostava tudo em suas baladas confidenciais. Já o tecladista/vocalista queria seguir um caminho mais agressivo. Brigas passaram a ser uma constante no dia a dia do Nazz.

O nome Fungo Bat foi abandonado, assim como a ideia de disco duplo. Foi assim que Nazz Nazz chegou às lojas em abril de 1969. A revista Billboard aprovou: “O guitarrista Todd Rundgren escreveu os 11 temas e a banda mostra entrosamento e unidade nesse segundo trabalho. Tudo foi arranjado e produzido sabiamente por eles próprios.”

Para causar um grande impacto, o selo SGC prensou o álbum em vinil vermelho, o que chamou atenção de algumas publicações, como a Changes, por exemplo: “Quando você saca o disco da capa, o vinil vermelho fornece indícios de que temos algo diferente e especial em mãos. E é mesmo diferente. A produção e o som são imediatamente excitantes. As canções voam umas sobre as outras e os efeitos são hora sutis, hora alarmantes. Os arranjos mostram que o Nazz impressiona tanto vocalmente como instrumentalmente. Mais importante: o som deles é único, refrescante, sólido e original do início ao fim.”

Não se trata de exagero da imprensa da época. Nazz Nazz é realmente surpreendente. Experimental, podemos dizer que é um álbum mais “aerodinâmico nas curvas” do que o disco de estreia. Rundgren amadurecia a olhos vistos (ou seria a “ouvidos escutados”). Suas 11 composições mostravam um pouco de tudo: baladas, blues, hard, psicodelia, pop. Seu senso melódico estava muito acima da média, principalmente se comparado ao de outros músicos norte-americanos do período. Tudo estava mais dramático e épico, como a cinematográfica suíte que encerra o disco: “A Beautiful Song”, mais de 11 memoráveis minutos.

O Nazz esbanjava identidade e ambição. “Forget All About It” pode não ter o impacto de “Open My Eyes”, mas chega perto. “Not Wrong Long” tem alguma similaridade com o Vanilla Fudge; “Gonna Cry Today” é doce e bela, contrastando totalmente com o peso hard de “Under The Ice”. “Kiddie Boy” é um boogie com metais; “Featherbedding Lover” tem suingue negro e ótima bateria; “Letters Don’t Count” demonstra que Nazz Nazz pode ser considerado, sem exagero, como uma espécie de marco zero para quem deseja mergulhar na fascinante carreira solo de Rundgren e também nas raízes do power-pop.
Quando o disco chegou ao mercado, Rundgren já tinha pulado fora. Nem o sucesso do relançamento do single de “Hello It’s Me” o fez mudar de ideia. Sua fúria perante a maneira de como o Nazz era manipulado pelo seu empresário era maior que tudo. Stewkey e Mooney partiram de mudança rumo ao Texas, onde tentaram manter o Nazz vivo. Logo depois Stewkey foi convidado por um amigo guitarrista de Illinois a integrar uma nova banda, o Fuse. Esse guitarrista se chamava Rick Nielsen e anos depois fundaria o Sick Man Of Europe e ainda depois o Cheap Trick, ao lado de outro ex-integrante do Fuse, o baixista Tom Petersson.

Enquanto Todd já se preparava para desfilar soberano em sua carreira solo, e o Nazz não mais existia, era lançado Nazz III, em dezembro de 1970. Não por coincidência o mesmo mês do lançamento de Runt, o primeiro disco solo de Todd. Nazz III nada mais era do que sobras não incluídas originalmente no disco duplo Fungo Bat, ou seja, era como a cara metade de Nazz Nazz. Rundgren ficou furioso, mas não pode impedir o lançamento. Todo seu ódio tinha uma razão, Stewkey havia apagado os vocais originais de Rundgren e regravado usando sua própria voz, mas claro, cantando as melodias do ex-guitarrista do Nazz. A ironia foi ainda maior do que se esperou, já que o material de Nazz III soava similar com o de Todd em sua futura carreira solo. Hoje o músico garante que fez as pazes com o Nazz e com esse período interessante de sua longa carreira: “Foi breve, porém muito intenso. Foi na verdade uma incrível perda de potencial…”

Para a posteridade ficaram três excelentes trabalhos e um trecho curioso/explanatório da letra de “Forget All About It”: “Something’s basically wrong everywhere… We were born out of our time… Nobody is listening to people like us.”

Estava tudo escrito nas entrelinhas.

Artigo originalmente publicado na pZ 40

http://youtu.be/XnBQET5oBSM

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