Edy Star

A história e a trajetória do ícone do glam brasileiro

por Ricardo Alpendre     17 nov 2015

Edy StarNa entrada de um estúdio em São Paulo, Edy Star conversa animadamente com Tata Martinelli e Marcião Gonçalves, músicos de sua banda, sobre um novo projeto. De início, nem sabia que iria conversar conosco para esta matéria. Fala sobre Elvis, James Dean, sobre cultura pop, sobre grandes divas. Já na sala da técnica, terminado o papo criativo, “Então, esta é a sinopse”, etc., ele, com a maior naturalidade do mundo, dirige os procedimentos na noite que ainda se inicia: “Agora vamos à segunda parte, que é a entrevista com os meninos”. Ele mantém o controle. E é indomável. Sempre foi.

Baiano de Juazeiro, Edivaldo Souza começou cedo no meio artístico. Aos 13 anos, no início da década de 1950, atuava na Rádio Sociedade da Bahia. Daí até o momento em que tornou-se Edy, se ele não fez de tudo, parece ter feito tudo o que quis. Foi cantar em festas. Fez um curso na Petrobrás e foi trabalhar na empresa estatal em 1959. Saiu para retomar o banco do motorista da sua vida.

Conheceu Raul Seixas e foi fazer um som com o roqueiro, trabalhou em diversos circos em Salvador e no interior da Bahia, trabalhou como ator e diretor de teatro, inclusive na Companhia Baiana de Comédias, CBC. Foi a Recife e fez o espetáculo Memórias de Dois Cantadores, com Teca Calazans, Naná Vasconcellos e Marcelo Melo (que seria do Quinteto Violado). Cantou na TV Jornal do Comércio, foi ao Rio se apresentar no festival O Brasil Canta no Rio, no Maracanãzinho.

Só seis meses depois, Edy voltou a Salvador. Era 1969. Contratado como produtor e apresentador pela TV Itapoan, em 1969 e 70 ele comandou as estreias da cantora Maria Creuza, de Pepeu e Jorginho Gomes com sua banda, os Leif’s, dos Novos Baianos ainda sem Baby Consuelo, de Antonio Carlos e Jocafi, Rosa Passos e outros no programa Poder Jovem. Seu figurino chocava: eram roupas fora do padrão masculino e mais que insinuantes. Vestindo um macacão que fizera para usar em um carnaval, ele tirou o sossego da equipe. “Eu usava um tapa-sexo cor de carne, e o macacão era preto, de renda, e dava a impressão de que eu estava completamente nu”, diverte-se Edy. “E um pessoal lá em cima: ‘Ele é maluco! (gritando) Plano americano! Plano americano!’”. Com o estilo desafiadoramente andrógino, foi tornando-se proeminente e pioneiro como artista que se assumia gay publicamente, sem grilos, com personalidade, e fazendo graça. Numa dessas, quando resolveu cobrar no ar os quatro meses de salário atrasados, foi demitido.

Mas ali mesmo, Edy encontrou o velho amigo Raul Seixas, que o levou para a CBS, a gravadora em que tinha começado a trabalhar como produtor, no Rio. Um compacto produzido por Raul, contendo composições dele, precedeu o convite para que Edy integrasse o grupo Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, ao lado do próprio Raul. Aos dois baianos, somavam-se o capixaba Sérgio Sampaio e a paulistana Míriam Batucada. As gravações do LP Sessão das 10, dos Kavernistas, foram cercadas de lendas ao longo dos anos, de que o álbum teria sido gravado às escondidas, “na calada da noite”. À noite ele foi mesmo gravado, mas quase todo mundo grava à noite, e o trabalho foi feito no capricho, sem acompanhamento dos executivos, mas usando a estrutura da CBS, que depois não divulgou o disco e deixou-o tornar-se um mito, uma espécie de “maldito” da Tropicália.

Edy aproveitou e já ficou no Rio. Começou a fazer parte de shows em um puteiro da Praça Mauá, cantando e desenhando figurinos, explorando seu talento que também abarca tudo o que é visual. Artista plástico, ele havia feito nos anos 60 várias exposições – e vendido bem seus trabalhos! “Eu trabalhava em vários shows na noite carioca”, conta. Em um dos espetáculos, ele terminava vestido de Liza Minnelli, segurando a estatueta do Oscar. “Shows atrevidíssimos. Tudo o que não se podia fazer, no show tinha! Não pode ter strip tease; mulher não podia ficar completamente nua”. Mas quando colocavam tapa-sexo e umas biqueiras cobrindo o peito das mulheres, ele gritava: “Tira esta merda!”. E continua: “Então entravam todas nuas. Tinha anão nu correndo pelo palco… Tudo que era proibido tinha na Praça Mauá; a gente fazia o diabo a quatro. E o pessoal do Pasquim me descobriu: Jaguar, Millôr, e dei entrevista para o Pasquim”. Sobre a entrevista, como conta Edy, “foi proibida a chamada na capa, que dizia: ‘Edy, o rei dos andróginos’. Não podia colocar a palavra ‘andrógino’. Então, eu tenho o Pasquim, e onde teria a chamada está em branco! Saiu a entrevista toda, mas a capa foi cortada”.

Então, veio o nome Edy Star. Quem teria sugerido o nome? “Eu mesmo”, conta. “Porque diziam assim: ‘Você é uma estrela, você é um star’! Então ficou, e eu disse: ‘Pronto, eu sou agora Edy Star’. Isso na porta da boate Cowboy, na Praça Mauá”.

Em 1972, Edy era contratando do antigo Teatro Rival, que passara a se chamar Café Concerto. Ele fazia uma imitação satírica de Maria Alcina. É claro que Alcina quis assistir. “Ela foi ver e adorou. Da outra vez levou o empresário, e o cara mandou me chamar. Ela disse: ‘O único cara que pode me substituir é esse aí’”.

Na saída do Café Concerto, Edy, já então Star, foi conversar com o empresário de Alcina, Mauro Furtado, que ofereceu condições muito melhores para que ele se apresentasse na boate Number One, com um espetáculo próprio, dele. “Era uma boate superfina, frequentada pelos generais e pela alta sociedade do Rio de Janeiro, e tinha que ser um show que botasse pra quebrar, que chamasse atenção, e que não lembrasse nada”. Mauro Furtado resolveu montar uma banda nova pra ele. Foi convidar o pianista Luiz Carlos Vinhas, do grupo Bossa Três, que tinha acompanhado o Lennie Dale. “Aí, o Vinhas falou assim: ‘Eu não vou, eu não vou acompanhar viado’”, lembra Edy. “Quando estreei, o Vinhas foi lá assistir. ‘Mas ele canta! Você não me falou’. E o Mauro: ‘Mas ele é cantor! Você disse que não vinha porque não ia acompanhar viado’. Eu estava tirando a maquiagem lá em cima, e o Mauro disse assim: ‘O Vinhas veio lhe ver, e lhe elogiou!’. Aí eu desci e fui pro bar, como quem não queria nada, pedi meu (drink) Tom Collins, e olhei para o Vinhas: ‘Gostou?’ ‘Gostei’. ‘Pois é, o viado canta, não é, meu amor?’”.

Além do trio instrumental que lhe acompanhava, Edy tinha Aurea Martins e Djavan nos backing vocals. Na música “Hipócrita”, um bolero, bem passional, ele batia na cara das pessoas. Havia proibido de lhe dizerem quem estava na plateia, para não ser influenciado. Em uma noite, bateu na cara do filho do General Figueiredo; os seguranças se aproximaram, mas o filho do presidente riu. Estava tudo bem. O show fez sucesso durante seis meses. As Frenéticas gravaram “A Felicidade Bate à Sua Porta” (“O trem da alegria promete-mete-mete-mete, garante…”), de Gonzaguinha, e Maria Helena Dutra escreveu em uma crítica no Jornal do Brasil: “conheço essa música melhor cantada e melhor interpretada por Edy Star na boate Number One”.

Sweet EdyJoão Araújo estava em algumas dessas noites. Produtor da gravadora Som Livre, contratou Edy para a gravação de seu LP, que viria a ser seu único álbum solo até hoje: Sweet Edy. O disco, gravado em 1974, teve produção de Guto Graça Melo e um elenco estelar de compositores, convidados pelo próprio cantor. Renato Piau e Sérgio Natureza ofereceram duas músicas. Uma delas era a faixa-título, e a outra, para não deixar dúvidas, “Bem Entendido” (“entendido” era, então mais do que hoje, gíria para “gay”). Raul Seixas ofereceu “Moleque Maravilhoso”, mas ele mesmo a gravou antes, e a música saiu do repertório. Então ele trouxe a música “Superestrela”, que na verdade era uma antiga parceria com Leno.

Caetano contribuiu com o afoxé “O Conteúdo”; Gilberto Gil com “Edyth Cooper”, fazendo a analogia do conterrâneo com Alice Cooper, tão em voga em 1974. Edy não liga para a comparação, e não se incomoda. “Porque inclusive acho que eu ajudei a fomentar isso”, admite. “Fui assistir ao show do Alice Cooper no Canecão, gostava do disco, mas nunca fui chegado, muito, em Alice Cooper, porque sempre fui tão fissurado em Rolling Stones! (…) Gostava do T-Rex, por causa do Marc Bolan, que eu amava! Esse negócio do glam nacional foi um rótulo que me deram, assim como de roqueiro, e eu aceito. Eu nem me preocupava com esse negócio de glam, querido! Eu sou é ‘cabareteiro’, eu gosto de interpretar a música conforme ela seja”.

Cabareteiro ele é, mesmo. O “ah!” do segundo verso de “Esses Moços”, de Lupicínio Rodrigues (“ah! Se soubessem o que sei…”), é um atestado sonoro de cabareteiro. Falando em clássicos do passado, há também no disco uma divertidíssima versão de “Boogie Woogie do Rato”, antigo sucesso de Cyro Monteiro. Roberto e Erasmo vieram com “Claustrofobia”; Moraes e Galvão, com “Pro Que Der na Telha”; Jorge Mautner veio com “Olhos de Raposa”, e Getúlio Côrtes trouxe “Coração Embalsamado”, um tango-rock, na definição do autor. O próprio Edy escreveu “Briguei com Ela” e o coda “Eu Sou Edy Star”.

Músicas de Luiz Melodia, Zé Rodrix, e Gonzaguinha ainda ficaram de fora. O que se perdeu no tempo foi a relação dos instrumentistas de 40 anos atrás. “Talvez o produtor (Guto Graça Melo) lembrasse ou tivesse registro. Quem procurou na Som Livre – se procurou – não conseguiu. Só sei que ali tinha um pessoal de primeira linha que tocava com Milton Nascimento, com o Som Imaginário, tinha o pessoal de estúdio, mas eram músicos de primeira linha, isso eu me lembro muito bem”.

Aí, veio a parte visual do negócio. Edy, também ligado na questão estética, cuidou de tudo. “Queria tudo do bom e do melhor, exigi que fosse o Antônio Guerreiro, que era o melhor fotógrafo do Brasil naquele tempo. E resolvi usar o macacão de renda (aquele, de um antigo carnaval e da TV Itapoan) com as botas na capa do meu disco, como uma referência aos carnavais da Bahia”. A capa deu muito trabalho. Foi uma das fotos em preto e branco do ensaio de Guerreiro, recortada, pintada e colada sobre uma peça de veludo, com algumas estrelinhas jogadas. O painel foi fotografado novamente. “O Antonio Guerreiro adorava fazer essas coisas. Ele tinha um monte de fotografias e botava lá para a gente ficar pintando, botava eu, o pessoal do Dzi Croquettes, do Secos e Molhados, todos pintando as fotografias com ecoline”. Aliás, foi o Dzi Croquettes, e não Secos e Molhados, a influência maior para Edy nessa fase. Ficou amigo de Ney Matogrosso, mas só conheceu seu grupo no estúdio de Guerreiro, e não se apresentando na TV. No encarte, depoimentos de gente do meio artístico e da sociedade carioca mostravam a magnitude do culto a Edy.

Após todo esse trabalho, por incrível que pareça, quando o disco saiu, Edy não gostou. E não o ouviu mais durante muitos anos. Aliás, o disco não vendeu: talvez a Som Livre não tenha entendido como trabalhá-lo. Gravou no mesmo ano, para a novela Corrida do Ouro, da Globo, uma das faixas de Zé Rodrix, que o chamou num corredor da Som Livre e o colocou no estúdio para conhecer e gravar a música em 15 minutos.

No ano seguinte, a convite de Guilherme Araújo, veio da Bahia direto para o Teatro da Praia, no Rio, em seu fusca (comprado com os cachês da boate Number One) e fez o papel do protagonista Frank-n-Furter na montagem nacional da peça Rocky Horror Show, de Richard O’Brien, traduzida por Jorge Mautner. Atendendo a pedidos, como se fosse necessário, ele improvisou e encheu o espetáculo de irreverência.

Enquanto continuava trabalhando em espetáculos, formou outro projeto interessante, o Zazá Big Circus, misturando os estilos do Dzi Croquettes e das Frenéticas. O LP gravado pela CBS demorou a sair e, quando enfim saiu, o grupo já havia se separado.

No início da década de 1990, Edy foi para a Espanha, e passou lá cerca de 18 anos trabalhando no teatro e em boates. No Chelsea II, um puteiro de luxo com shows de cabaré em Madri, ele criou a personagem Lady Chochona, a noiva que entrava no salão à procura do noivo nas despedidas de solteiro.

Em 2009, o palco “20 Anos Sem Raul” da Virada Cultural, na cidade de São Paulo, promoveu a volta de Edy Star ao Brasil. Na ocasião, ele apresentou o repertório do álbum Sessão das 10 na íntegra. O show foi considerado o melhor daquele palco, e no ano seguinte foi repetido.

Já em 2011, o selo Joia Moderna, do DJ Zé Pedro, fez o relançamento de Sweet Edy com excelente tratamento gráfico, incluindo sobrecapa e livreto com fotos da sessão de Antonio Guerreiro e um ótimo texto biográfico de Rodrigo Faour. No ano seguinte, Edy apresentou pela primeira vez o repertório do disco no Teatro Municipal de São Paulo. O show foi gravado e filmado com três câmeras para um planejado DVD, ainda inédito.

Ele continua se apresentando, e encantando o público e outros artistas que o assistem. Torça para que Edy Star se apresente em sua cidade.

Artigo originalmente publicado na pZ 58

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