Arquivo da tag: Doug Sahm

Doug Sahm

Pai do country-rock, arquiteto do subgênero Americana ou ícone do Tex-Mex? Doug Sahm foi crucial no rock norte-americano dos anos 60 em diante, mas, curiosamente, nunca alcançou o merecido reconhecimento fora das fronteiras do Texas

por Bento Araujo     07 jun 2016

Doug Sahm

Explorador musical não conformado desde antes mesmo do rock existir, o sujeito mais cabeludo de todo o Texas dos anos 60, englobou todas as tendências culturais do seu estado: blues, hillbilly, bluegrass, rock e a música tradicional mexicana da fronteira. Depois de uma temporada em São Francisco, ele voltou a Austin para se tornar o cowboy cósmico definitivo (junto com Gram Parsons), apagando qualquer preconceito entre a fusão do country com o sonho hippie, ao lado de seu Sir Douglas Quintet. Depois de alguns hits mundiais, saiu em carreira solo (sempre acompanhado de amigos ilustres) e fundou o “Traveling Wilburys do Tex-Mex”: The Texas Tornados.

Teoricamente, a história começa em San Antonio, Texas, em 1964. O produtor Huey P Meaux entrega uma dúzia de compactos de bandas britânicas de rock para Doug Sahm, para que ele pudesse criar algo naquele estilo. Assim nasceu “She’s About A Mover”, hino do rock de garagem norte-americano e a primeira e única visita de Sahm ao Top 20 de seu país. Mas Sahm, aos 23 anos de idade, já era um veterano naquela altura.

Criança prodígio do country e competente tanto na lap steel guitar como no violino, lançou a sua primeira gravação aos 11 anos de idade: “A Real American Joe”. Ainda aos 11 anos, acompanhou Hank Williams naquela que seria a sua derradeira apresentação. Dois anos depois, o templo sagrado da música country de Nashville, Grand Ole Opry, ofereceu emprego fixo ao garoto, mas seus pais acharam que seria melhor ele terminar seus estudos.

Aproveitou para beber um pouco mais da cultura multiracial de San Antonio, tocando e aprendendo música com texanos, mexicanos, negros e índios. Essa influência foi crucial no que ele apresentaria adiante em sua obra. O rock do próprio estado do Texas, cortesia de nomes como Buddy Holly e Roy Orbison, também influenciou o jovem Doug Sahm.

Em 1957 ele montou a sua primeira banda, The Knights, e, no ano seguinte, já excursionava pelos EUA. O primeiro sucesso regional veio em 1960, com sua banda The Markays: “Why Why Why”. Em 1964, os Markays abriram uma apresentação do Dave Clark Five, onde foram avistados pelo produtor Huey P Meaux, impressionado com a musicalidade de Sahm, sua presença de palco e seus longos cabelos. Meaux queria vender uma banda texana como se fosse um grupo da British Invasion, assim batizou a nova banda de Doug Sahm com o aristocrático nome de Sir Douglas Quintet. O tecladista Augie Meyers, amigo de infância de Sahm, também estava no grupo, mas era difícil se passar por banda inglesa, já que o sotaque do vocalista era puro Texas e os demais integrantes eram mexicanos.

O sucesso veio rápido, em 1965, com o compacto “She’s About A Mover”, trazendo a voz soul de Sahm, o riff garageiro do teclado Vox Continental de Meyers e a produção de Meaux. Apareceram no show de TV Hullabaloo, com Trini Lopez anunciando que aqueles “britânicos” na verdade vinham do mesmo estado que ele. Era o Tex-Mex ganhando o universo pop da música jovem norte-americana, estilo caracterizado pela fusão de elementos texanos e mexicanos, típico da fronteira ao sul do estado. Quem sacou algo genuíno neles foi Bob Dylan, que logo virou admirador e amigo de Doug Sahm. Na época, Dylan declarou: “Pra mim existem três grupos acontecendo: Paul Butterfield Blues Band, The Byrds e Sir Douglas Quintet”. Mais recentemente, Dylan declarou: “Eu nunca havia conhecido alguém que tinha tocado com Hank Williams, ainda mais alguém da minha idade. Doug tinha uma frequência pesada e aquilo estava em seus nervos. É como Charley Patton dizia: ‘Meu Deus, que força sólida’”.

A primeira baixa, no entanto, aconteceu tão rapidamente quanto o sucesso: em Corpus Christi, são pegos pela polícia com dois baseados e o “escândalo” acaba prematuramente com o Sir Douglas Quintet. Sahm vai morar em San Francisco e lá monta a Honkey Blues Band. Meyers vai junto e logo eles reformam o Sir Douglas Quintet. Sahm se dá muito bem na capital hippie e psicodélica, atuando numa cena que também abrigava outros texanos, como Johnny Winter, Janis Joplin, Steve Miller e Boz Scaggs. Então amigo do pessoal do Grateful Dead e do Jefferson Airplane, prepara o novo disco do SDQ, Mendocino. A faixa título explodiu em 1968, no mundo todo, até mesmo no Brasil, onde ganhou uma versão (“Meu Benzinho”) da cantora Waldirene, dos tempos da Jovem Guarda. Nos EUA, Sahm agora era capa de revista. A edição #23 da Rolling Stone trazia ele e seu filho Shawn na capa. No miolo, uma geral no que acontecia na vida do músico e no rock texano.

Sahm decidiu então voltar ao Texas, onde fixou residência em Austin, ajudando a cidade a se tornar a capital da música que é hoje, ao lado de outros texanos que voltavam de Nashville: Willie Nelson e Waylon Jennings.

O SDQ seguiu gravando singles e LPs. Por alguma razão, tornaram-se extremamente populares na Escandinávia, onde dividiam palcos com Beach Boys e Rolling Stones.

Jerry Wexler, da Atlantic Records, sacou o burburinho e foi conferir o que Sahm andava aprontando em Austin: jams alucinadas no Armadillo World Headquarters ao lado dos amigos Jerry Garcia, Phil Lesh e Leon Russell. Wexler: “Doug me lembra São Sebastião. Ele possui centenas de feridas de flechadas e todas elas sangram talento”. Graças a Wexler, Sahm começou a trabalhar em sua carreira solo. Gravou pela Atlantic um disco recheado de amigos ilustres (Dylan, Dr. John etc.), Doug Sahm and Band, que saiu no Brasil em elepê e imortalizou o hino “(Is Anybody Going To) San Antone” e o acordeom de Flaco Jimenez.

Continuou gravando com o SDQ e lançando grandes álbuns solo como Groover’s Paradise (1974), que trazia a cozinha do Creedence Clearwater Revival. Apareceu em discos de amigos (Grateful Dead, Willie Nelson etc.), em filmes (Cisco Pike, com Kris Kristofferson) e trouxe de volta à cena o errático amigo texano Roky Erickson, produzindo, tocando e até mesmo oferecendo grana, management e músicos de sua banda para acompanhá-lo. Sir Doug tinha também faro para novos talentos: foi ele quem convenceu Wexler a ir assistir a um show de um novo guitarrista texano chamado Stevie Ray Vaughan. O resto virou história.

Na década de 80, Doug Sahm foi curtir seu sucesso escandinavo. Assinou com o selo sueco Sonet, fez turnês, apareceu em programas de rádio e TV e lançou canções com nomes como “Meet Me in Stockholm” e “No Way Like Norway”. Depois de um acidente de carro em 1985, voltou ao Texas, onde fundou o supergrupo definitivo do Tex-Mex, The Texas Tornados, ao lado dos amigos Freddy Fender, Augie Meyers e Flaco Jimenez. Lançaram sete álbuns, o que não impediu o artista de gravar e se apresentar em uma série de outros projetos: Sir Douglas Quintet, Texas Mavericks, Last Real Texas Blues Band, Amos Garrett–Doug Sahm–Gene Taylor Band, Doug Sahm & Sons, Mysterious Sam Dogg and the Cosmic Cowboys etc.

Nos anos 90, foi abordado pelo empresário do Metallica, Cliff Burnstein, que o ofereceu um contrato pela Elektra para um disco de hard rock. Assim, Sahm reativou o Sir Douglas Quintet para Day Dreaming At Midnight (1994).

A morte chegou, inesperadamente, em novembro de 1999. Um ataque cardíaco fulminante levou o nosso cowboy ao espaço. Fica seu imenso legado, parte dele mencionado e analisado no novo filme Sir Doug & the Genuine Texas Cosmic Groove, lançado no ano passado no conceituado festival South By Southwest, que ocorre em Austin.

Pai do country-rock, arquiteto do subgênero Americana ou ícone do Tex-Mex? Doug Sahm foi crucial no rock norte-americano dos anos 60 em diante, mas, curiosamente, nunca alcançou o merecido reconhecimento fora das fronteiras do Texas. Quem melhor resumiu esse fato foi seu filho Shawn Sahm, na revista Uncut: “Doug Sahm parece ser muito respeitado por pessoas que realmente admiram música feita com o coração e por pessoas que seguem os seus próprios instintos”.

O Essencial

Sir Douglas Quintet
+ 2: Honkey Blues
(1968)

Doug Sahm e sua banda soando ecléticos e confiantes logo no início de carreira. Os metais adicionam uma boa dose de drama e o resultado é inspirador, assim como a arte gráfica psicodélica.

Sir Douglas Quintet
Mendocino
(1969)

Com a entrada de Augie Meyers, o SDQ definiu sua sonoridade e sua proposta, escancarada com o estrondoso sucesso da faixa título e “She’s About a Mover”. As baladas “At The Crossroads” e “And It Didn’t Even Bring Me Down” também são excelentes.

Sir Douglas Quintet
Together After Five
(1970)

Ao lado de Augie Meyers e seu teclado ordinário, Sahm registrou um disco empolgante, com hinos do Tex-Mex, como a irresistível “Nuevo Laredo” e a balada “I Don’t Want To Go Home”.

Doug Sahm And Band
Doug Sahm And Band
(1972)

Apadrinhado por Jerry Wexler, sua Atlantic e um orçamento gigantesco, Sahm montou a banda de seus sonhos para sua estreia solo e chamou todos seus amigos, Bob Dylan e Dr. John entre eles. “(Is Anybody Going To) San Antone” virou um de seus hinos.

Doug Sahm
Groover’s Paradise
(1974)

Agora na Warner, nosso pZ Hero imprimiu e imortalizou o seu peculiar conceito de mundo perfeito em disco e ainda contou com a cozinha do Creedence Clearwater Revival: Stu Cook e Doug Clifford.

Texas Tornados
Texas Tornados
(1990)

Eles eram o Traveling Wilburys do Tex-Mex e lançaram uma estreia à altura. Sahm contribui ao supergrupo com seu carisma jovial e com interpretações cativantes.

Artigo originalmente publicado na pZ 65

pZ 65

MC5, Franco Battiato, Doug Sahm, Lodo, Arcadium, Badlands, Psicodelia Britânica, Protofonia, Buffalo Springfield, Pretty Things etc.

por Bento Araujo     01 abr 2016

MC5
O clima é de revolução sonora, já que o MC5 adorna essa importante edição da pZ. A banda de Detroit teve uma trajetória única dentro da história do rock e muitos dos altos e baixos protagonizados por eles estão neste número. Sendo jovem e vivendo num subúrbio de Detroit, no início da década de 60, você contava apenas com algumas opções: ir para o colégio, para uma fábrica de automóveis ou para o Vietnã. Somente uma outra opção anulava essas três acima: o rock ‘n’ roll. Foi essa a opção de três rebeldes garotos: Fred “Sonic” Smith, Wayne Kramer e Rob Tyner – todos prestes a fundar o grupo de rock que seria a encarnação definitiva do espírito da cidade de Detroit, assim como os Beach Boys encarnavam o espírito da Califórnia e o Velvet Underground, o espírito de Nova York.

BEHIND THE IRON CURTAIN
Os primeiros shows das grandes bandas de rock por trás da Cortina de Ferro!
Após a beatlemania e a Invasão Britânica de 1964, o mundo jamais foi o mesmo. Nos quatro cantos do planeta, o fenômeno do rock ‘n’ roll tomava os jovens de assalto. Nem mesmo o hermético bloco socialista do leste europeu passou ileso a tamanha revolução. Logo havia uma demanda para apresentações de artistas internacionais do lado de dentro da Cortina. A pZ investigou as aventuras de alguns pioneiros que se aventuraram do lado de lá do muro de Berlim, algumas décadas antes dele vir abaixo. Estrelando: Rolling Stones, Beach Boys, Zappa, Deep Purple etc.

PROTOFONIA
Foi uma agradável surpresa receber o LP A Consciência do Átomo, o novo trabalho do Protofonia. O trio brasiliense de música livre e instrumental superou todas as expectativas neste seu segundo disco, produzido por Pedro Baldanza (Som Nosso de Cada Dia) e lançado pelos selos Miniestéreo da Contracultura e Editio Princeps. A Consciência do Átomo passou semanas rolando constantemente aqui na vitrola da redação, então nada mais natural convidar os três integrantes do conjunto (André Chayb, André Gurgel e Janari Coelho) para uma conversa franca sobre música.

DOUG SAHM
Explorador musical não conformado desde antes mesmo do rock existir, o sujeito mais cabeludo de todo o Texas dos anos 60, englobou todas as tendências culturais do seu estado: blues, hillbilly, bluegrass, rock e a música tradicional mexicana da fronteira. Depois de uma temporada em São Francisco, ele voltou a Austin para se tornar o cowboy cósmico definitivo (junto com Gram Parsons), apagando qualquer preconceito entre a fusão do country com o sonho hippie, ao lado de seu Sir Douglas Quintet. Depois de alguns hits mundiais, saiu em carreira solo (sempre acompanhado de amigos ilustres) e fundou o “Traveling Wilburys do Tex-Mex”: The Texas Tornados.

O LADO B DA PSICODELIA BRITÂNICA EM DEZ COMPACTOS
1967. O ano chave do Verão do Amor, de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band e da explosão psicodélica. Nos EUA, São Francisco vira a terra prometida, com Grateful Dead, Jefferson Airplane, The Charlatans, Moby Grape, Quicksilver Messenger Service, Tripsichord Music Box, It’s A Beautiful Day, Big Brother and the Holding Company etc. Na Inglaterra, os próprios Beatles já tinham impulsionado a revolução, com Revolver, no ano anterior, quando outros nomes como Donovan, The Yardbirds e Cream também embarcavam na onda lisérgica. Quando 1967 chegou, a Inglaterra foi tomada pelo sonho technicolor através do Soft Machine, Pink Floyd, The Jimi Hendrix Experience, The Move, Tomorrow, Traffic, Blossom Toes, Art, Nirvana, Kaleidoscope, Family, The Iddle Race, The Creation e até grupos que flertaram ambiciosamente com o gênero: The Rolling Stones, The Small Faces, The Hollies, Bee Gees, The Pretty Things, The Who, Eric Burdon & The Animals, Moody Blues, Procol Harum, The Incredible String Band e Status Quo. Mas, no meio dos elepês desse pessoal, foram lançados alguns compactos cruciais, verdadeiras pérolas da psicodelia britânica que acabaram sendo deixadas de lado com o passar das décadas. Em muitos casos, esses sete polegadas acabaram sendo os únicos lançamentos dessas bandas e artistas, que jamais contaram com a devida consagração e reconhecimento. A pZ resolveu então mergulhar fundo e escavar dez obscuros compactos psicodélicos, lançados no segundo semestre de 1967, celebrando assim um dos períodos mais criativos do rock britânico.

FRANCO BATTIATO
A longa e produtiva carreira do italiano Franco Battiato é pontuada pelo entretenimento garantido ou pela incerteza atroz. Seus discos lançados a partir de 1978 são de um pop certeiro e dançante, enquanto que sua fase anterior, vanguardista e experimental, só foi devidamente digerida depois que ele foi taxado de gênio pelo, digamos, conjunto da obra. A fase que mostramos nessa edição é a mais difícil e compreende seus primeiros LPs lançados pelo selo italiano Bla…Bla.

LODO
Nosso colaborador Nelio Rodrigues investiga a obscura banda carioca Lodo, que não deixou nenhum disco gravado, mas foi importante para o rock brasileiro dos anos 70.

ARCADIUM
O Arcadium é a quintessência do grupo obscuro. Quase nada se sabe sobre a história de seus músicos ou mesmo o que aconteceu com eles depois que resolveram passar a régua. Gravaram um LP, um single, participaram de duas coletâneas sem músicas inéditas e caíram no ostracismo.

BADLANDS
Entusiastas das grandes bandas de rock dos anos 70, os quatro talentosos integrantes do Badlands tentaram trazer um pouco de musicalidade e competência à cena do hair/glam metal do final dos anos 80. Infelizmente os egos falaram mais alto e o grupo durou menos que cinco anos.

E MAIS:
Buffalo Springfield, The Numbers Band, Paul Kantner, The Beckies, Pretty Things, Costa Blanca, Lewis Furey, Dionne-Brégent, Keith Emerson, Maurice White etc.