Spring

Mellotron e belas melodias no álbum lançado pela banda britânica em 1971

por Bento Araujo     08 set 2014

Spring 1971Rock progressivo gravado em 1971 pode fazer você pensar numa quebradeira sem limites, com flautas, sax, violinos ou algum órgão Hammond duelando com guitarras, como era comum na época. Com o Spring era diferente, já que o lance deles era Mellotron e melodia.

Lançado pela Neon – o braço mais ousado da RCA – em maio de 1971, Spring passou desapercebido e somente décadas depois começou a chamar a atenção de colecionadores.

A publicação britânica Disc & Music Echo foi uma que tratou a música do Spring com desdém. Na edição de 5 de junho de 1971 eles publicaram: “Um disco com capa extraordinariamente elaborada, mas que encobre um medley de músicas maravilhosamente maçantes. A habilidade musical e a criatividade são limitadas e no geral o trabalho é tedioso, assim como as letras – todas elas reproduzidas no encarte. Tem gente se perguntando se a Neon sabe o que anda fazendo…”

A banda, formada na cidade de Leicester, era um quinteto: Kipps Brown (teclados), Adrian Maloney (baixo), Ray Martinez (guitarra), Pat Moran (vocal) e Pique Withers (bateria). Brown, Martinez e Moran cuidavam também do Mellotron, o que diferenciou o Spring dos demais agrupamentos da época, afinal de contas, três dos cinco integrantes cuidavam do incrível instrumento. Evidente que a melancolia foi uma característica fundamental nas melodias e na música do Spring. Nas composições o Mellotron foi usado tanto como instrumento rítmico como principal. A bateria de Pique Withers era nada usual, utilizando em várias passagens um ritmo marcial, quase militar mesmo. O detalhe acrescentou maior dramaticidade na receita musical do conjunto.

Engraçado que tudo começou a acontecer meio por acaso na carreira do Spring. Depois de um show na capital galesa de Cardiff, a van que transportava o grupo quebrou e deixou os rapazes na estrada, bem no interior do País de Gales. Curiosamente o veículo quebrou nas proximidades do famoso Rockfield Studios, localizado num castelo e dirigido pelo técnico e produtor Kingsley Ward. Ali, tempos depois, bandas como Rush, Black Sabbath, Queen, VdGG, e muitas outras gravariam grandes trabalhos. A verdade é que Ward costumava rodar o Reino Unido naqueles tempos em busca de novos talentos e “encontrou” o pessoal do Spring nas imediações de seu estúdio.

O fato do grupo andar pra cima e pra baixo com três Mellotrons intrigou o produtor, que convocou a turma para uma audição. Claro que foram aprovados; registraram algumas demos e começaram a ensaiar forte no Rockfield.

Numa bela noite, o estúdio recebeu a visita do produtor Gus Dudgeon, famoso por trabalhar com Elton John, Bowie, Zombies, John Mayall e muitos outros. Gus ficou embasbacado com o Spring e de imediato mostrou interesse em produzi-los. Não muito depois estavam todos trabalhando no disco, gravado no Rockfield e também no Trident Studios de Londres. Reza a lenda que tudo foi registrado ao vivo em estúdio, com exceção da guitarra, registrada posteriormente.

A arte gráfica de Spring é um capítulo a parte. Idealizada pelo designer/freak Marcus Keef, responsável pelas primeiras capas do Black Sabbath e muitas outras do selo Vertigo, ela aparecia gloriosamente em formato capa tripla. Um roadie da banda posava como um soldado de algum navio naufragado, que agonizava na beira de um rio enquanto todo o sangue de seu corpo se misturava com a água corrente. Do outro lado do rio o grupo contemplava tudo, calmamente. Letras e fotos individuais dos integrantes estavam no lado inferior da capa. Mas claro que o roadie levou a pior, pois o figura quase congelou durante as três horas que ficou ali parado para que Keef fizesse a foto. Mas tudo por uma ótima causa, já que tanto o disco como a capa atravessaram a barreira do tempo. Isso se deve principalmente ao fato do Spring não se prender a outros conjuntos da época que também usavam o Mellotron com propriedade, como Moody Blues, King Crimson e Yes. O Spring compartilhava o mesmo instrumento, mas com uma abordagem um tanto distinta e original.

A Melody Maker captou exatamente isso em sua resenha, publicada em 19 de junho de 1971: “Pintando numa capa tripla imponente, eu coloquei o disco pra rodar com uma certa precaução. O Spring acabou sendo uma grande surpresa, com uma sonoridade original, incorporando substanciais sons de Mellotron. As vezes as letras soam pretensiosas e pesadas, mas a melancolia fala mais alto, fazendo o álbum decolar. Um disco para ouvir sempre tarde da noite…”

Incrivelmente o Spring durou apenas 18 meses no total. Abriram shows de Velvet Underground, Barclay James Harvest, Manfred Mann’s Earth Band, Keith Christmas e Sutherland Brothers, mas penduraram as chuteiras enquanto gravavam um segundo álbum em 1972.

Esse disco abortado na época chegou a ser lançado em CD no ano de 2007 com o nome de Spring 2, pelo selo Second Harvest. A Akarma também lançou este mesmo disco, em 2008, com outra capa e o nome de Second Harvest. Já o disco clássico de 1971 recebeu uma edição caprichada em CD pela Repertoire, contendo três faixas bônus inéditas e mais simplórias, sem o tradicional Mellotron que marcou a sonoridade do grupo.

Depois do final precoce do Spring o vocalista Pat Moran seguiu os caminhos da produção musical e trabalhou com nomes como Iggy Pop, Robert Plant e Lou Gramm, entre outros. Falando em Plant, o guitarrista Ray Martinez trabalhou com o ex-vocalista do Zeppelin, e também tocou com Barry Melton, Tim Rose e nos grupos Airwaves e Gypsy. O baterista Pique Withers mudou seu primeiro nome para “Pick” e tocou com Mike Chapman, Chris Jagger, Bert Jansch, Prelude, Magna Carta e Dave Edmunds, além de fundar o Dire Straits em 1977. O tecladista Kipps Brown trabalhou com Ian Anderson. O único que sumiu completamente do mapa foi o baixista Adrian Maloney.

Texto originalmente publicado na pZ 39.

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