Jane

Tudo sobre a banda prog alemã que teve alguns de seus LPs lançados no Brasil, nos anos 70

por Radames Junqueira     19 jan 2015

janeLendo o especial que a pZ fez recentemente sobre o Lucifer’s Friend, me inspirei a escrever sobre outra grande banda alemã que flertava com a mesma paixão e intensidade com o prog e com o hard: o Jane, banda capitaneada pelo saudoso baterista Peter Panka, falecido em 2007.

O Jane é uma das minhas maiores obsessões dentro do rock progressivo. Comprei o primeiro disco deles em 1974, Together, lançado aqui no Brasil pelo selo Sábado Som. Passei anos me deliciando com aquele LP, até pintar por aqui outro álbum da banda nas lojas, Jane III. Mais adiante, ainda adquiri também o Age Of Madness, mas percebi que o grupo não contava mais com o ímpeto de antigamente.
Confesso que na época quase ninguém dava trela para esses discos. Todos meus amigos compravam discos do Yes, Genesis, ELP, Triumvirat, Focus e Pink Floyd, mas eu gostava infinitamente mais das bandas alemãs, que para o meu espanto também eram lançados por aqui. Discos de grupos como Can, Message, Karthago, Embryo, Novalis, Harmonia, Nine Days Wonder, Guru Guru, Amon Düül e tantas outros.

Quando a revista Pop fez um artigo dando conta da “invasão” do rock alemão pela terra do samba, senti que a popularidade aumentou, mas muito pouco se comparada ao prestígio dos grupos britânicos. É engraçado, mas o roqueiro brasileiro dos anos 70 geralmente tinha preconceito com o rock que vinha de outro país que não fosse a Inglaterra ou os Estados Unidos. Até mesmo o rock brasileiro era super discriminado, um pecado que eu tentava assimilar em silêncio.

Voltando ao Jane, me chamou atenção o fato de escutar aqueles discos e constatar que eu jamais teria a oportunidade de vê-los ao vivo. Naquela década, assisti a shows de Alice Cooper, Genesis, Rick Wakeman, Miles Davis, Santana e outros no Brasil, mas pedir um Jane por aqui era algo impensável. Se o Jane tivesse tocado no Rio ou em SP naquela época, talvez umas 50 pessoas compareceriam aos shows.

Se no Brasil o Jane passou batido, na Alemanha, a terra deles, foi completamente diferente. O que me deixa ainda mais triste, mas vou explicar o porquê. Na Alemanha, o Jane lançou 12 discos de 1972 a 1986. Foram mais de dois milhões de álbuns comercializados e 150 apresentações por ano, todas sold out. O que me entristece é ter morado num país onde bandas excelentes de rock progressivo, como o Som Nosso de Cada Dia ou o Terreno Baldio, jamais tiveram a chance de alcançar qualquer uma dessas marcas. Bom, mas querer comparar a Alemanha e o Brasil hoje já é dose, imagine há 40 anos. Não, não é de hoje que a gente toma de sete a um, e não é só no futebol.

Antes que eu seja acometido pela tal síndrome de vira-lata, vamos pegar a autobhan e revisitar as origens do Jane, na cidade de Hanover. Lá que foi fundada, no auge da era psicodélica, a banda Justice Of Peace, contando com três integrantes que depois integrariam o Jane: Peter Panka (vocal), Klaus Hess (baixo) e Werner Nadolny (sax). O Justice Of Peace ficou num único compacto, contando com os temas “Save Me” e “War”. Quando a banda encerrou suas atividades, uma mudança aconteceu com as funções dos três músicos citados acima. Panka continuou cantando, mas também assumiu a bateria. Hess trocou o baixo pela guitarra e Nadolny largou o sax para cuidar dos teclados. Por volta de 1971, juntaram-se ao trio o baixista Charly Maucher e o vocalista Bernd Pulst. Mesmo com Panka sendo cantor, acharam prudente contar com um vocalista mais profissional naquela altura.

Passaram a compor, ensaiar e a tocar muito ao vivo, visando um contrato com alguma gravadora e o subsequente lançamento do LP de estreia. Depois de uma impactante apresentação no Little Woodstock Festival, em Hanover, bateu à porta do Jane um novo e experimental selo chamado Brain, que estava sendo colocado em prática por uma jovem dupla formada por Bruno Wendel e Günter Körber. Ambos estavam em total compromisso de levar adiante um selo que seria um braço da Metronome Musik GmbH, mas algo completamente ousado e sem medo das desavenças da indústria fonográfica. Para a Brain, a arte e a liberdade de expressão valiam mais que qualquer dinheiro. Wendel e Körber vinham do selo Ohr, e de lá trouxeram o passe do Guru Guru. Novas e promissoras bandas, como o Scorpions, também seriam imediatamente contratadas. Nos anos seguintes a Brain soltou no mercado trabalhos de grupos/artistas seminais do rock alemão, como Neu!, Cluster, Harmonia, Electric Sandwich, Sameti, Thirsty Moon, Spermüll, Klaus Schulze, Edgar Froese, Guru Guru, Grobschnitt, Novalis, Birth Control, Embryo, Popol Vuh, Curly Curve, Scorpions, Electric Sun, Accept e, claro, Jane.

O primeiro fruto desse duradouro contrato surgiu na primavera de 1972, sob o nome Together, disco produzido por Günter Körber (que também produziu os próximos três álbuns do grupo) e teve engenharia de som de Konrad “Conny” Plank. Como ocasionalmente acontece em álbuns de estreia, todos os principais detalhes peculiares da sonoridade do Jane estão em Together: as melodias, o ritmo cadenciado, as mudanças de clima, o órgão e os sopros marcantes. Uma junção de space rock, hard, prog e psicodelia, todos fatores cruciais dentro do Krautrock. Mas Together não seria tão previsível assim. Havia coisas que começavam e terminavam em Together e que não seriam carregadas adiante na discografia do Jane, principalmente os vocais de Bernd Pulst, que gravou somente o primeiro disco do conjunto. O destino de Pulst é bem nebuloso desde então, mas dizem que ele morreu sobre cincunstâncias trágicas pouco depois do lançamento do disco.

Ter cunhado um LP de estreia como Together, comparado pela imprensa ao que vinha sendo feito por bandas como Vanilla Fudge, Iron Butterfly e Deep Purple, foi crucial na carreira do Jane. Rapidamente, a reputação da banda chegava a países como Japão, EUA, Brasil e México. Na Inglaterra, alguém do semanário Sounds escutou o disco e escreveu que o maior mérito do Jane era praticar um estilo “sem firulas” de fazer música. Já para a imprensa alemã, o Jane tinha ainda o melhor vocalista do ano em Bernd Pulst.

Mas a repentina saída dele não intimidou Peter Panka, que definitivamente assumiu os vocais do Jane. No rock alemão era até comum bateristas que também cantavam (Birth Control, Guru Guru etc.). Para o baixo, aconteceu também uma mudança. Saía Maucher (com problemas de saúde) e entrava outro ex-integrante do Justice Of Peace, o guitarrista/baixista Wolfgang Krantz. Com essa formação, o Jane soltou Here We Are, em 1973, seu segundo e também bem recebido álbum, que colocaria a banda no mesmo patamar de outros nomes do rock alemão como Eloy e Novalis.

Aqueles que vibravam com os vocais mais voltados ao blues de Together consideraram Here We Are um álbum aleatório e casual, quase acidental, talvez devido à inclusão de sintetizadores. Todas as ideias novas e as doses de experimentos que as acompanham demoram um certo tempo para serem assimiladas. O que ninguém estava ciente era da dificuldade dos rapazes em registrar aquele segundo LP, gravado na raça, com os instrumentos todos emprestados, já que, para sobreviver na indústria do rock, eles foram obrigados a vender os seus próprios.

Após Here We Are, Nadolny saiu do Jane para fundar uma banda chamada Lady, cujo guitarrista era uma nova revelação do rock alemão: Matthias Jabs, que tempos depois foi tocar no Fargo e no Scorpions. Matthias chegou a fazer um par de shows com o Jane, meio que quebrando um galho mesmo.

Maucher voltou para o Jane para substituir Nadolny, porém permaneceu por pouco tempo, infeliz com o direcionamento mais cru e rock pesado que o grupo estava tomando. O segundo lado de Here We Are já era prova disso.

Essa pegada mais direta explodiu em Jane III, que se por um lado era épico e espacial, era também repleto de ferozes duelos de guitarras e boogies. Tudo temperado com letras embebidas num misticismo digno na Era de Aquário, bem popular naquele período. A capa de Jane III também ia mais ou menos nessa onda.

Os shows continuavam e os discos vendiam na medida do possível, mas não havia jeito da formação se estabilizar. Panka não perdia o rumo e seguia em frente após todas as crises. A mais forte delas veio em 1974 e levou Maucher e Krantz (que montariam o Harlis). Essa revolução interna impulsionou uma nova versão do grupo, com dois músicos egressos do Dull Knife: Martin Hesse (baixo) e Gottfreid Janko (vocais e teclados). O fato do Jane estar cobrindo uma maior gama de estilos nessa altura acabava deixando os fãs confusos. Janko não cantava muito bem e, apesar de trazer de volta ao grupo o tradicional som de órgão, seus vocais pareciam sempre fora do contexto, até mesmo quando dava uma de Mike Harrison e Gary Wright, a dupla de vocalistas de uma banda britânica que Janko muito apreciava: Spooky Tooth. Lady, o disco lançado pelo Jane em 1975, vinha nesse embalo, apreciado por alguns e acusado por outros de o mais puro exercício de falta de identidade.

Werner Nadolny voltou no final de 1975 e, com ele, também a inspiração do Jane, como pode ser ouvido no álbum seguinte: Fire, Water, Earth & Air – um ousado trabalho conceitual, produzido pela banda e registrado no estúdio de Conny Plank. Parecia que finalmente não só a Alemanha, mas toda a Europa se rendereria à sonoridade do Jane, agora mais espacial, cósmica e mística, comparada até mesmo à praticada pelo Pink Floyd, segundo a publicação alemã Record World.

Fire, Water, Earth & Air vendeu melhor que os anteriores e o boca a boca se espalhou pela Alemanha. Tanto que, em março de 1976, a banda partiu para uma excursão de 60 apresentações pelo país, a grande maioria delas com todos os ingressos esgotados. Mas antes do início da tour Nadolny deixou o Jane novamente, que escalou o tecladista do Eloy: Manfred Wieczorke.

Com tanta agitação nos shows, a banda sentiu que o próximo álbum deveria ser ao vivo. Assim, saiu, no início de 1977, o duplo ao vivo At Home Live, sucesso absoluto que vendeu mais de cem mil cópias logo na primeira semana. Apenas Udo Lindenberg e o Kraftwerk vendiam essa quantidade de discos na Alemanha em 1977. A transmissão ao vivo do show em rede nacional pela WDR Radio certamente influenciou nas vendas. Ao contrário da capa, que sugeria que o elepê havia sido registrado em Marte, At Home Live foi capturado em rolo na cidade natal da banda, Hanover, como o nome do disco dizia. Sucesso arrebatador também na Suíça (onde eram, de fato, maiores que o Pink Floyd) e na Áustria, onde o Jane era idolatrado, mesmo não abrindo mão de cantar num inglês capenga.

Between Heaven and Hell chegou em 1977 com “ameaçadoras imagens musicais e riffs executados no estilo do Black Sabbath”, como escreveu a Musik Express. Between Heaven and Hell dava mesmo um teor mais soturno à discografia do Jane. Os primeiros minutos do álbum são de arrepiar.

Age of Madness (1978) foi o último grande trabalho do Jane, registrado no estúdio particular de 24 canais da banda. Peter Panka podia se gabar, pois era o líder de um combo prog germânico super popular, com um belo contrato de gravação, estúdio particular de ponta e tudo o mais que um grande grupo de rock poderia desfrutar naquela altura. Isso no auge da onda punk e disco, que aos poucos, foram minando as estruturas do conjunto.

Sign No. 9 (1979), Jane (Mask) (1980), Germania (1982) e Beautiful Lady (1986) mostraram o Jane perdido no meio do tiroteio musical da cena da época. Flertaram com new wave, reggae, synth-pop e outras modas da época. Não que isso seja de todo mal; bandas como Wishbone Ash, Camel e o próprio Scorpions fizeram algo parecido e se saíram bem ocasionalmente, mas parecia que, com o Jane, as cabeçadas eram mais doloridas.

Depois de alguns álbuns ao vivo, a banda se desentendeu e começou aquele tipo de confusão que tira qualquer fã do sério. O baixista Martin Hesse caiu na estrada com um grupo chamado Mother Jane e Peter Panka fez o mesmo com seu Peter Panka’s Jane, mantendo o seu direito de usar o nome e o logo original do grupo. De 1996 em diante, o baterista decidiu gravar novos discos de estúdio e nunca mais parou de tocar ao vivo. Esse pique durou até 2007, quando um câncer ficou com a vida de Panka.

Mas o baterista deixou avisado que seu desejo seria que a banda continuasse, capitaneada pelo baixista/vocalista Charly Maucher e contando também com o baterista Fritz Randow (ex-Eloy, Saxon etc.) e o ex-Epitaph, Klaus Walz (guitarra e vocal).

Os fãs da banda então têm três opções quando o quesito é assistir a uma apresentação do “Jane”: Peter Panka’s Jane (este citado acima, porém sem Panka, morto em 2007), Mother Jane (de Martin Hesse) e Werner Nadolny’s Jane (como o nome não deixa dúvida, liderado pelo ex-tecladista Werner Nadolny). Será que algum deles passa pelo Brasil?

Artigo originalmente publicado na pZ 56

  1. Marco Aurélio

    Muito boa essa matéria. Em seus primeiros discos, o Jane era de fato uma banda de ponta no cenário progressivo. Uma pena que mudanças constantes na formação, acabaram descaracterizando ao longo do tempo, o som do grupo.

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