Allman Brothers ao vivo em New Orleans

As aventuras do editor da pZ em New Orleans

por Bento Araujo     13 jul 2014

 

Gregg Allman ao vivo em New OrleansFicamos estacionados há uns dois passos da grade de proteção, na cara do palco. O coração começou a bater mais forte quando um praticável veio sendo arrastado pelos roadies, trazendo a percussão de Marc Quinones (no meio), e os kits de Jaimoe e Butch Trucks nas laterais. O kit de Trucks trazia o desenho de um cogumelo no bumbo, com a inscrição “Butch”. Reconheci então o roadie de Warren Haynes, um gordinho que sempre aparece nos vídeos do Gov’t Mule, e ele estava extremamente atarefado, montando o set do guitarrista. Tapetes eram espalhados pelo chão do palco e o Hammond, caixa Leslie e Fender Rhodes de Gregg Allman também foram posicionados bem na nossa frente. Devo confessar que eu havia escolhido aquele lado esquerdo do palco de propósito, pois tinha certeza de que Gregg Allman ali ficaria.

A galera esperava ansiosa. Alguns coroas, casais, mas também muita molecada. Atrás de mim, um garoto ruivinho aparentando uns 10 anos de idade, vestia uma camiseta escrita “Gregg Allman”. Um outro coroa meio bêbado chegou para o garoto e disse algo do tipo: “Se prepare garoto, pois você vai assistir ao Gregg e sua banda em ação!”. O moleque, com cara de saco cheio extremo, chega pro tiozão e resmunga: “Eu já assisti o Allman Brothers Band por três vezes!”, com seu pai fazendo sinal de aprovação do lado. O bebum ficou calado e eu espantado, pois em meus 33 anos de idade, eu nunca tinha visto o grupo ao vivo… e o garoto com apenas 10 anos já tinha visto três shows deles! Aliás esse tipo de “humilhação” é muito comum nos EUA.

Entre uma cerveja e outra, você naturalmente começa a conversar sobre shows e festivais mais antigos com as pessoas, e é muito comum, por exemplo, uma senhora com visual totalmente “careta”, falar algo do tipo: “Eu assisti o Jimi Hendrix tocar na minha Universidade em 1968”, ou “eu segui o Grateful Dead pelo país em 1971”, ou “eu vi o Grand Funk ao vivo na turnê do Survival”, ou “eu estava naquele show em que o Jim Morrison foi preso”, ou “eu estive em Watkins Glenn, Woodstock, Altamont e no Atlanta Pop Festival”…
Humilhações à parte, era a nossa vez de conferir o ABB ao vivo e os gringos parece que sentiam essa nossa emoção e compartilhavam de tudo com a mesma intensidade. Outra cena marcante: um garoto de uns 12 anos de idade fumando maconha atrás da gente, e com o pai! Surreal, aqui não é muito comum ver esse tipo de coisa… Assusta um pouco.

Às 17 horas em ponto, a banda sobe ao palco e timidamente cada integrante toma o seu posto. Derek Trucks entra de muletas, ajudado pelo seu roadie, o que causou um certo espanto na plateia. Derek tocou sentado durante todo o set, mas como ele é sempre bem tímido, paradão e concentrado, isso foi quase que imperceptível em sua performance.

A primeira música do show foi “Don’t Keep Me Wonderin’”, que já fez todo mundo dançar e entrar no clima. O volume era ensurdecedor e a massa sonora que vinha do palco era cristalina e encorpada. Impressionante a qualidade do som durante todo o festival, chega a dar raiva! Tudo redondinho, encorpado, sem nada “sobrando”. O som do ABB ao vivo é único, é possível perceber a camada de percussão vinda do fundo do palco, passando pelas camas de teclados de Gregg e chegando à frente com as guitarras agressivas de Warren e Derek bem “na sua cara”. Do lado direito, um monstro que atende pelo nome de Oteil Burbridge fecha esse arquivo zipado de som sulista com os graves mais envolventes e pesados de todo o Festival. Nos últimos minutos dessa primeira faixa, Oteil tocou virado para seus amplificadores e agitou tanto no groove que ele própria criava, que seus óculos escuros voaram longe. Era o delírio máximo e havia acabado somente a primeira música do show!

Uma viagem a 1969 foi promovida pela banda na segunda faixa da apresentação, “Trouble No More”, contida no disco homônimo de estreia do grupo. Logo depois uma surpresa naquela altura do set, o clássica “Midnight Rider”, geralmente executada “mais adiante” nos sets da banda. Todo mundo cantava junto, emocionante. Warren assumiu a liderança (que geralmente fica com Gregg) para cantar “Woman Across The River”, que ficou famoso na versão de Freddie King. Foi a única faixa “mais recente gravada pela banda” a ser tocada nesse show, já que ela aparece no último disco de estúdio deles, o excelente Hittin’ The Note, lançado em 2003.

“Ain’t Wastin’ Time No More” veio depois, com Gregg migrando para o Fender Rhodes, tocando virado para o palco e de lado para a plateia. Gregg é o pai do Southern Rock, debaixo de seus óculos escuros e suas tatuagens está a pura história do rock norte-americano, com seus vícios, tragédias e herança da música negra. Nessa faixa que abre o álbum Eat A Peach, é impossível não olhar para o céu azul (“Blue Sky”) e lembrar de Duane, o homenageado nesse tema em questão. Essa foi a primeira composição de Gregg após a morte do irmão, e ela fala sobre sua dificuldade em ter que lidar com isso pelo resto de sua vida. Ouvir “Ain’t Wastin’ Time No More” ao vivo e pensar em Duane Allman é uma experiência espiritual, transcende qualquer barreira material. Gregg também faz isso em silenciosa comunhão com os fãs mais ardorosos que ali estão e esse feeling paira no ar do Jazz Fest.

Depois da homenagem a Duane, era hora de Gregg e Warren homenagearem Bob Dylan, com uma versão matadora e dolorosa para sua “Blind Willie McTell”, cuja letra tem tudo a ver com New Orleans, falando de blues, escravidão, plantações de algodão e da vida do próprio Blind Willie McTell, bluesman cujo maior sucesso foi “Statesboro Blues”, não por mera coincidência a próxima canção executada pelo ABB neste show. Nesse instante, tínhamos a nítida impressão de que estávamos vivenciando mais do que música e diversão. Era história pura da América: blues, a harmonia sulista, Dylan, Blind Willie McTell e ABB, um turbilhão que passava pelas nossas cabeças.

Warren Haynes ao vivo em New Orleans

Gregg e Warren continuam dividindo os vocais e mantendo a emoção do show em alta, apresentando uma versão maravilhosa de “Soulshine”, talvez a mais famosa e bela composição de Warren Haynes.

Dando continuidade, mais duas faixas do primeiro disco do grupo: “Black Hearted Woman” e “Dreams”. Nessa última, a mais psicodélica da carreira da banda, foi incrível olhar para o lado esquerdo do palco e ver a lua (cheia) surgindo, enquanto que do lado direito o sol ainda brilhava e se preparava para se pôr. Você acredita em perfeição? E em alinhamento dos astros? Só quem estava ali naquele instante para sacar do que eu estou falando… Todo mundo em transe com as notas bem escolhidas de “Dreams”, e com o sol abençoando todos os presentes que se preparavam para mais uma homenagem, dessa vez ao irlandês Van Morrison, já que Warren cantou uma versão de “And It Stoned Me”, faixa que abre o exuberante Moondance. Van se apresentaria no fim de semana seguinte do Jazz Fest, então a homenagem foi mais do que apropriada. “No One To Run With”, do disco Where It All Begins foi a próxima canção do dia, abrindo caminho para a sempre monstruosa “Whipping Post”, o marco zero do rock sulista e a cartilha de qualquer banda que tem pretensão a ser uma jam band. Durante “Whipping Post” é evidente a sensação de que todos no ABB jogam pelo time.

Ninguém quer aparecer mais do que o outro, cada um tem o seu papel. A explosão é coletiva e a massa vai ao delírio com os longos solos de Derek e Warren. Desbunde completo. A música termina. Os caras deixam o palco e está todo mundo em êxtase completo. Basta um giro de 360 graus ao seu redor e todo mundo tem um sorriso estampado no rosto e uma tremenda excitação em seus gestos.

Os caras voltam para encore, mas apenas Gregg (no violão), Oteil e Warren. É hora de “Melissa”, a mais famosa balada da banda. O público feminino canta junto e Gregg pousa de galã.

A banda toda volta e ataca de “One Way Out”, transformando o Fair Grounds numa imensa pista de dança. Sim, pode parecer engraçado, mas os gringos adoram essa música (talvez por ela ter aparecido em tantas trilhas sonoras por lá e ter sido um imenso hit nas rádios) e costumam dançar com ela. Foi uma verdadeira festa e assim o ABB encerrou sua apresentação na 41ª edição do Jazz Fest e também o primeiro fim de semana do evento.

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