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Easter – Patti Smith

Patti Smith literalmente peitou não só lojistas rabugentos, mas também altos executivos de sua gravadora, eles que odiaram a capa de seu terceiro disco.

por Bento Araujo     11 jul 2014

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Patti Smith – Easter (1978)
Foto: Lynn Goldsmith

“Os lojistas não queriam vender o disco porque pêlos apareciam na minha axila. Fui advertida que, caso não apagasse os pêlos da capa, o disco não iria vender. Nunca tive interesse ou preocupação, com isso. Mudar Easter nunca passou pela minha cabeça”.

Patti Smith literalmente peitou não só lojistas rabugentos, mas também altos executivos de sua gravadora, eles que odiaram a capa de seu terceiro disco. Num mundo machista, uma axila feminina não depilada era uma grande afronta na cabeça dos machões caretas, um tipo de afronta que comprometeria até mesmo a venda do álbum. Ironicamente, Easter se tornou o disco mais vendido de toda a carreira de Patti Smith.

Se a foto de Robert Mapplethorpe que embalava a estreia de Smith em Horses (1975) foi considerada “uma das melhores fotos tiradas de uma mulher”, Easter seguiu num outro caminho. Talvez por embalar um trabalho repleto de alusões religiosas, cristianismo, morte e ressurreição.

A foto de Lynn Goldsmith estampada na capa de Easter retratava com extrema fidelidade a personalidade de uma artista única no cenário da época. Em 1978, a androginia levada a cabo por homens nos anos dourados do glam rock era passado. Cabia a Patti trazer essa androginia para o universo do punk rock. Capturada durante um gesto puramente feminino, como prender o cabelo com um grampo, Smith posou com naturalidade, erguendo seu braço esquerdo, deixando à mostra sua axila não depilada, um gesto puramente masculino. Uma contradição que a própria faz questão de explorar nos palcos, onde cospe no chão ao mesmo tempo em que explica “porque a noite pertence aos amantes”.

Falando nisso, “Because the Night” (co-escrita por Bruce Springsteen) foi o primeiro single extraído de Easter e se tornou o maior sucesso da cantora. Na capa do compacto, uma imagem da mesma sessão de fotos do disco, porém com a nossa protagonista de braços abaixados.

Lester Bangs resenhou Easter na época, escrevendo: “Querida Patti, comece a revolução sem mim”. Mal sabia ele que a revolução havia começado impulsionada por alguns inocentes pêlos.

Texto originalmente publicado na pZ número 50.