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poeiraCast 346 – Coletâneas que valem a pena

Desde os LPs de vinil, passando pelas fitas cassette, os CDs e todos os suportes de áudio, a Mais

por Bento Araujo     04 out 2017

Desde os LPs de vinil, passando pelas fitas cassette, os CDs e todos os suportes de áudio, a coletânea é vista como uma “mão na roda” para o ouvinte manos compromissado, e em muitos casos como um patinho feio para o fã e o colecionador. Mas como são e quais são as coletâneas que valem a pena dentro da discografia dos artistas? Dizemos nossas teses e comentamos as nossas compilações preferidas neste episódio.

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poeiraCast 224 – A Era de Ouro dos Box Sets

Caixas, caixas e mais caixas. Hoje o programa é sobre aquelas coleções e compilações encaixotadas, os chamados box Mais

por Bento Araujo     11 mar 2015

Caixas, caixas e mais caixas. Hoje o programa é sobre aquelas coleções e compilações encaixotadas, os chamados box sets!

Entrevista com Lenny Kaye

Este bate-papo com o guitarrista do Patti Smith Group e curador da compilação Nuggets aconteceu em Amsterdã, no camarim do Paradiso

por Bento Araujo     14 out 2014

Lenny & Patti“Agora eu entendo a razão de você querer me entrevistar…”.
Lenny Kaye está folheando a poeira Zine com um sorriso estampado no rosto. Estamos no camarim do Paradiso, em Amsterdã, onde dentro de algumas horas ele fará a primeira de duas apresentações completamente sold out do Patti Smith Group.

O fato de Lenny Kaye ser um verdadeiro herói para este que vos escreve não é meramente musical, ou melhor, claro que é. Seja tocando guitarra, compondo e produzindo, seja compilando bandas de garagem obscuras dos anos 60 e lançando tendências, seja escrevendo nas mais conceituadas publicações de música do mundo; Lenny é “o” cara.

Em 2010, assistir ele cantar e tocar uma versão de “Pushin’ Too Hard”, dos Seeds, ao lado de Peter Buck (num show do Patti Smith Group em New Orleans) foi algo revelador, um momento de epifania garageira. Comento isso com Lenny, que apenas ri, com cara de satisfação. Estamos falando do cara que escreveu nos primeiros e mais importantes fanzines de rock dos EUA, que criou um novo filão na indústria fonográfica com Nuggets: Original Artyfacts from the First Psychedelic Era, 1965–1968 e que é o fiel escudeiro de Patti Smith há mais de quatro décadas.

Estou na frente do Paradiso, em Amsterdã, na hora marcada da nossa entrevista e ele passa por mim com uma sacola da loja de discos situada no outro lado da rua. Somos apresentados pelo tour manager e Lenny me leva para uma visita pelas entranhas da histórica igreja convertida pelos hippies em templo do rock n´ roll.

“Saca só o que eu comprei”, ele me diz em tom de pura descontração de quem é rato de sebos de discos. É um EP de Maria Callas, interpretando “Medea”: “em qualquer loja do mundo que eu vá os caras sempre me mostram compactos de bandas locais, de garage rock. Eu não aguento mais, é tudo igual”, ele confessa dando gargalhadas. Mostro também a ele as minhas recentes aquisições daquela tarde do verão holandês: Xit, Q65, The Motions. Troca de informações musicais com o mestre, que barato. Nosso bate-papo está a seguir, na íntegra…


poeira Zine – Originalmente você começou tocando acordeom, enquanto crescia na região do Queens e do Brooklyn, em NYC. Lá pelo final dos anos 50 você decidiu abandonar o instrumento e começou a colecionar discos. Fale um pouco sobre o início de sua coleção e seu interesse em garimpar discos.

Lenny Kaye – Eu tive a honra e o prazer de crescer junto do rock n’ roll. Uma de minhas primeiras lembranças de garoto é a de escutar Little Richard no rádio, com “Tutti Frutti”. Era muito engraçado, pois eu e minha irmã rolávamos no chão quando escutávamos aquilo. Vivíamos no Brooklyn (NYC) naquela época, onde acontecia uma efervescente cena de doo-woop, então eu sempre presenciava uns garotos mais velhos parados numa esquina, cantando, ensaiando melodias vocais. Foi um dos primeiros gêneros musicais que eu caí de amores. Como todo garoto, eu escutava também o que tocava no rádio. Os primeiros discos que comprei foram “The Purple People Eater” com Sheb Wooley e “It’s Only Make Believe” com Conway Twitty, os hits da época. Por volta de 1958 eu estava ganhando discos de presente de Natal e minha coleção começou.

pZ – Quando a guitarra entrou na sua vida?

LK – Eu sempre amei música. Meu pai tocava piano e acordeom, meu avô tocou bateria durante toda a sua vida, fato que, obviamente, eu só descobri depois que ele morreu. Sempre fui cercado por músicos e música. Nos mudamos para New Jersey e o acordeom não combinava muito com o tipo de música que eu escutava. Quando eu entrei para a High School, há exatos 50 anos, eu comecei a tocar guitarra e aprendi três acordes básicos. Logo os Beatles apareceram e eu pensei: “agora o jogo começou pra valer, não preciso mais ser apenas um cantor folk de fundo de quintal” (risos). No fim daquele ano eu montei a minha primeira banda, The Vandals. Tocávamos em bailes, nas repúblicas estudantis e em festas do colégio.

pZ – Mas isso foi antes ou depois de você lançar o seu primeiro compacto, como Link Cromwell?

LK – Os Vandals começaram em novembro de 1964, então isso foi antes do compacto. Um ano depois, o meu tio, Larry Kusik, que era compositor e escreveu “A Time For Us” do filme Romeo e Julieta e “Speak Softly Love”, do Poderoso Chefão, estava trabalhando com Ritchie Adams, dos Fireflies. Eles estavam envolvidos naquela cena folk e juntos escreveram uma canção de protesto. Logo estavam em busca de alguém para cantá-la e meu tio disse: “Hey, meu sobrinho canta, ele tem uma banda e está deixando o seu cabelo crescer” (risos). Então fui lá e cantei em duas canções: “Crazy Like A Fox” e “Shock Me”. Foi a primeira vez que entrei num estúdio de gravação. Longe de ser um hit, o compacto foi muito importante pra mim, pois me deu a confiança e a certeza que eu poderia ser um músico, mesmo com o meu nome verdadeiro não aparecendo no selo, já que gravei sob o pseudônimo de Link Cromwell.

pZ – E o The Zoo?

LK – O Zoo foi a minha primeira banda pop, onde tocávamos covers de sucessos da época. Fazíamos shows com, no mínimo, quatro horas de duração, festa após festa. Tocávamos muito soul e R&B, como Sam & Dave, Otis Redding, Four Tops, coisas da Motown etc. Naturalmente fomos progredindo com a cena musical e logo estávamos tocando material de bandas psicodélicas. De 1964 a 1968 eu estava no The Zoo, e foram esses os anos “Nuggets”. Com isso, vivenciei aquela música em primeira mão, escutando, tirando e tocando aquele material. Infelizmente não chegamos a gravar, pois não escrevemos muito material próprio.

pZ – Depois de ter se mudado para New Jersey você se tornou membro de fã clubes de ficção científica e, aos 15 anos, começou a escrever, publicando o seu próprio fanzine, Obelisk. Sobre o que você escrevia nessa época?

(Nesse instante Lenny me interrompe e, com cara de espantado, diz: “Belo trabalho de pesquisa o seu” – eu falei que sou fã do cara desde o início, nem vem).

LK – O mundo dos apreciadores de ficção científica do período fazia parte de uma estranha subcultura. Era compreendido por pessoas esquisitas e alienadas, que talvez não fossem populares o suficiente, socialmente falando. Nos fã clubes de ficção científica essas pessoas se encontravam. Era um bom cenário para aprender como escrever, como visualizar uma revista e como interagir com pessoas. Tem também o fato da ficção científica ser também, por si só, algo que expande a mente através de uma consciência universal, como vinha acontecendo com o LSD e a psicodelia. Era também um cenário onde boêmios poderiam curtir algo juntos e se encontrar. Foi muito bom ter tido contato com aquele pessoal, pois eu era também alienado no sentido de não ser um super aluno exemplar, ou um aluno esportista, como muitos dos meus amigos de colégio. Eu era apenas mais um garoto esperando se tornar um beatnik algum dia (risos).

pZ – Você chegou a conhecer o grande Greg Shaw, fundador do histórico fanzine Mojo Navigator?

LK – (empolgado) Fui conhecer Greg somente bem mais tarde, quando já éramos jornalistas escrevendo sobre rock nas grandes revistas. Foi legal porque acabamos comentando sobre as nossas similares raízes nos fanzines de ficção científica. Naturalmente, os fanzines sobre rock surgiram dentro daquele mundo dos zines de ficção. Paul Williams (nota: fundador da Crawdaddy e gigante escriba do rock, falecido no ano passado) também veio desse universo. Eram cenas muito similares. Quando comecei a trabalhar em lojas de discos, eu conheci muitas pessoas cuja única atividade social era a de adquirir e colecionar discos. Ás vezes você fica somente dentro deste mundo, mas, em outras ocasiões, você se aventura por fora dele, que foi o meu caso. Tive sorte de ser capaz de transformar a minha paixão em algo além, nunca me tornei um escritor de ficção, porém me tornei um músico que vai a lojas de discos, comprar compactos. Que loucura este mundo (muitos risos)…

pZ – Então você passou a resenhar discos na revista Jazz and Pop. Qual foi o seu primeiro grande artigo publicado?

LK – A minha primeira resenha foi sobre Ogdens’ Nut Gone Flake, do Small Faces. Lembro da primeira frase: “Como você descreve uma experiência excêntrica?” (risos). Eu era muito pretencioso. Era muito excitante trabalhar para a Jazz and Pop – eles me davam o disco de graça e ainda me pagavam 25 dólares pela resenha. Trabalhei lá por um ano e lembro de escrever um artigo interessante chamado The Best Of A Capella, sobre uma pequena cena musical que acontecia em três estados que rodeavam New YorK: New Jersey, Philadelphia e Connecticut. Eram como os grupos de doo-woop que ensaiavam nas ruas, sem instrumentos, apenas voz. As lojas de discos prensavam os LPs desses grupos que cantavam a capella, e esses discos só poderiam ser adquiridos nas regiões onde aquelas bandas atuavam. Eu gosto muito desses discos e os coleciono até hoje. Como eu era um dos poucos jornalistas cientes daquela cena tão pequena e modesta, me senti na obrigação de escrever sobre aquilo.

pZ – E essa matéria mudou a sua vida, certo?

LK – Absolutamente. The Best Of A Capella foi publicada na Jazz and Pop e foi por causa dessa matéria que uma garota chamada Patti Smith me ligou dizendo: “Eu li o seu artigo. Eu também gosto bastante desse tipo de música e o que você escreveu me tocou”. Convidei Patti então para vir até a loja de discos em que eu trabalhava, no Village (nota: a Village Oldies, que depois mudou de nome para Bleecker Street Records, fechada recentemente). Jogamos muito papo fora, colocávamos os nossos discos favoritos e dançamos muito por lá. Se não fosse isso, eu não estaria sentado com você aqui neste instante. Um dia ela me contou que estava lendo poesias em sessões abertas ao público e que gostaria de agitar um pouco as coisas ao acrescentar uma guitarra elétrica ao fundo das poesias. Como eu tocava guitarra, me ofereci, então fui visitá-la e começamos a trabalhar juntos. Na época, Patti morava com o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Foi o começo de nossa banda.

pZ – Depois você passou a escrever em publicações maiores, como Fusion, Crawdaddy, Rolling Stone, Melody Maker e Creem; e também foi editor da Rock Scene e da Hit Parader. Quais são as lembranças mais bacanas dessa época?

LK – No começo dos anos 70 existia uma pequena, mas assídua, comunidade de escritores de rock em New York. Evidentemente eu estava feliz o bastante por fazer parte daquela comunidade. Era possível ir a festas e encontros de imprensa e conhecer muitos outros jornalistas e escritores. Assim, era possível também escrever para diversas publicações simultaneamente. Cheguei a escrever usando três nomes diferentes. Ou você levava aquilo muito a sério, ou se divertia à beça. Para mim, a parte mais importante de escrever é ter certeza de que você é tão musical quanto aquilo que está escrevendo. Sua missão é transmitir ao leitor a impressão de como é a música, e não apenas os fatos “secos”. Você quer trazer a música para o mundo. Escrever sobre música é uma arte. Aprendi muito com caras que eu lia, como Paul Williams, Sandy Pearlman e Richie Meltzer; figuras que sentiram-se na obrigação de levar a escrita rock além do jornalismo, utilizando uma abordagem/linguagem artística em relação à música. É algo que eu sempro tento alcançar, até hoje. Ainda escrevo bastante e mantenho um diário de turnê no meu site. Gosto de voltar das excursões, algo bem social e público, e me trancar no porão da minha casa, com ninguém me dizendo onde devo ir (risos). Acredito que as palavras podem ser como música. Quando você escreve um grande parágrafo, existe melodia e ritmo ali.

pZ – É possível traçar um paralelo entre o Lenny Kaye escritor e o Lenny Kaye músico?

LK – Bom, eu sempre curti muito escrever. Ao contrário de uma performance musical, escrever é algo que você pode fazer com calma, ou seja, pode pensar a respeito da sua relação pessoal com a música. Tenho alma de historiador, portanto eu aprecio escrever sobre a história da música. Parte do meu cérebro é de um escritor: posso analisar e pensar sobre o assunto; e parte do meu cérebro é de um músico. Não sou um sujeito com erudição musical, mas meu verdadeiro talento é o de sentir a música. Quando estou tocando, não estou pensando em notas musicais, escalas etc. Apenas estou lá com a música, sentindo-a como ondas em movimento. É assim que eu me comunico com Patti no palco. Não combinamos muita coisa antes do show, apenas sentimos a presença do outro.

pZ – Quando você produziu o compacto de estreia de Patti Smith (“Hey Joe” / “Piss Factory”), foi como comprar o bilhete de um selvagem passeio de montanha russa ou foi apenas mais um dia de trabalho?

LK – Nós definitivamente sabíamos que tínhamos um público. Não éramos uma banda de rock. Somente nós dois e um pianista. Tocávamos em locais estranhos, abrindo para artistas folk. A questão era como captar em disco aquele tipo de performance artística que vínhamos executando. Ir até o estúdio e registrar uma versão de “Hey Joe” foi realmente um experimento pra gente. Depois de gravar “Hey Joe” tivemos apenas 15 minutos para matar “Piss Factory”, antes que nossa sessão de três horas de estúdio acabasse. Apenas tocamos e estávamos muito excitados em ter um single. Creio que ainda é algo que represente o que a gente estava fazendo naquela época. Não pensávamos em ser uma banda de rock. Em retrocesso, é óbvio que estávamos evoluindo para isso acontecer, mas estávamos tão fora do mainstream que não tínhamos ideias fixas sobre como apresentar o nosso trabalho a um maior público. Demorou ainda um tempo para outros instrumentos serem adicionados e tudo ficar integrado. Foi um período de conhecimento e aprendizado, inclusive emocional e pessoal. Claro que Patti é tão carismática e poderosa como performer que foi somente uma questão de ter certeza que a porta estava aberta para ela passar com tudo e ampliar cada vez mais o seu público.

Kaye com David Johansen e Dee Dee RamonepZ – Horses (1975), Radio Ethiopia (1976), Easter (1978) e Wave (1979). Fale um pouco sobre cada um desses álbuns da primeira fase…

LK – Eu costumo alegar que esses quatro discos formam a nossa primeira encarnação como Patti Smith Group. Eles estão amarrados de alguma forma, um ao lado do outro. Cada um deles carrega um senso de localização, de onde estávamos, mas também de movimento, de onde queríamos chegar. Horses tenta retratar exatamente como a gente era ao vivo: ingênuos e ansiosos. Foi um experimento muito interessante, como um drama psicótico, mas que não representava totalmente a nossa força e poder de fogo, que mostrávamos no palco. Radio Ethiopia parecia mostrar que tudo havia mudado, depois de um ano de shows e tours, sabíamos como nos portar como um grupo de rock, com volume e atitude. O teor experimental ainda foi mantido, na medida do possível.

pZ – Os diferentes produtores que vocês trabalharam nesses discos influenciaram o resultado final de cada um deles, não é?

LK – Exatamente, a escolha dos produtores reflete todas essas diferenças entre esses trabalhos. Em Horses, John Cale estava muito preocupado em manter a nossa arte intacta, ele entendia o nosso intuito, artisticamente falando. Jack Douglas, que produziu Radio Ethiopia, apesar de também entender isso, desejava apenas deixar o nosso som poderoso como sentíamos que ele realmente era. Depois que Radio Ethiopia saiu, Patti caiu do palco e sofreu graves lesões, então tivemos mais tempo de preparar o álbum seguinte. Em Easter, trabalhamos arduamente com Jimmy Iovine. Foi uma ressureição, algo como voltar a nossa forma original. O objetivo era apresentar um retrato fiel do que éramos. Num certo sentido é o nosso disco mais direto. Em Wave, Todd Rundgren tratou de buscar um desejo da banda, que era o de mostrar o nosso lado mais feminino, sensível e frágil, que refletia a dúvida de Patti na época, convencida de que havia conquistado tudo o que era possível com sua figura de rock n’ roller da década de 70. O disco tinha um ar de que “essa é a nossa despedida”, mas não muito. Era mais como uma mudança de um plano para outro.

pZ – E o que “amarra” todos esses álbuns?

LK – Pra mim, todos esses discos estão amarrados porque Patti começa Horses declarando “Jesus morreu pelos pecados dos outros, não pelos meus” e passa por todas aquelas questões nos trabalhos seguintes até alcançar a sua resposta na última faixa de Wave, onde ela está caminhando pela praia, conversando com o Papa. Foi uma bela jornada. Se tudo tivesse acabado ali, eu estaria feliz. Foi como um filme perfeito. Começamos tocando para 200 pessoas numa igreja, em NYC, em 1971, e terminamos em Firenze, em 1979, tocando para 70 mil. Não é possível criar um roteiro mais épico que este. Após aquilo, o tempo foi propício para mudanças: Patti estava indo para Detroit com Fred “Sonic” Smith e eu queria explorar outros caminhos. Nossa sensação era a de que havíamos cumprido a nossa missão nos anos 70.

pZ – E quase dez anos depois, quando todos menos esperavam, Patti voltou à ativa, mas com Fred “Sonic” Smith na guitarra, em Dream of Life (1988). Após a morte de Fred, você voltou como guitarrista e produtor em Gone Again (1996). Você encara isso como uma espécie de sobrevida da parceria musical entre você e Patti?

LK – Já faz quase 20 anos que atravessamos essa “segunda vida” e está sendo extraordinário para mim. Eu nunca esperava que isso fosse acontecer, mas estou muito feliz em poder excursionar pelo mundo e continuar a criar música com Patti. É algo muito gratificante e belo. Penso que não perdemos nada de nossos ideais e compromissos pelo caminho. Ainda somos aquela mesma banda dos anos 70 que se erguia e “balançava a bandeira” em prol do que acreditava.

pZ – A coletânea Nuggets marcou o surgimento de uma nova maneira de compilar pérolas musicais esquecidas do passado e foi ainda uma espécie de nascimento do movimento garage-punk, em forma de revival. Seu texto no encarte continha também um dos primeiros usos do termo “punk rock”. Você sentiu que estava fazendo história, ou você simplesmente não sabia o que viria a acontecer?

LK – Se eu soubesse que estava fazendo história eu tinha fudido completamente com tudo, simples assim. Eu estava apenas reunindo as minhas músicas favoritas, e, ao mesmo tempo, contando um pouco sobre o meu crescimento musical. Sob um certo ponto de vista, aquelas músicas eram ainda recentes, muitas delas haviam sido lançadas originalmente há quatro ou cinco anos, então eu não tinha ainda um conceito histórico sobre elas para me apoiar. Na minha opinião, aquelas músicas eram muito diferentes entre si. The Knickerbockers são totalmente distintos do Sagittarius, que é diferente do The Magic Mushrooms e do The Nazz (risos). É errado categorizar tudo aquilo como garage rock, um rótulo que só veio surgir depois. Evidentemente que existem traços de garage rock naquelas canções e que muitas delas eram bandas de garagem mesmo. Eu não usei essa definição “garage” no encarte, optei por usar “punk” simplesmente por questões de atitude, como ao categorizar um garoto arruaceiro e não um novo gênero musical. Algo do tipo “é isso mesmo, cara, nós temos esses três acordes e vamos dominar o mundo”. Aquilo tinha exclusiva relação com o acreditar em si mesmo, uma atitude que eu aprendi tocando em bandas, nos anos 60. O tempo passa e claro que hoje eu consigo visualizar o quão específico e importante foi aquela coletânea. Esteticamente, esse meu trabalho está por todo o lugar, mas não fui eu quem descobriu aquele tipo de música. Eu inclusive não sei tanto sobre aquelas bandas como o dono da loja de discos do outro lado da rua (risos). Cedo ou tarde, aquela música seria redescoberta. Graças à Elektra Records, eu apenas tive a oportunidade de reunir algumas das minhas escolhas pessoais em Nuggets. Eu sempre tento me certificar de que atrás de um simples conceito, ou rótulo, existem grandes canções e gravações.

pZ – Penso que para Jac Holzman, o chefão da Elektra, foi um verdadeiro pesadelo localizar quem eram os proprietários daquelas canções que acabaram entrando em Nuggets…

LK – Com certeza. Você deve imaginar como as coisas funcionavam naquela era pré-Rhino Records, ou seja: naqueles tempos antes da criação de selos especializados em reedições caprichadas. Muitos dos detentores dos direitos originais daquelas músicas eram completamente malucos, ou achavam que aquela era a chance definitiva de voltarem ao showbusiness. O primeiro passo de Jac foi contratar um bom advogado para a missão de renegociar tudo aquilo. Fico espantado como Nuggets, essencialmente uma compilação de oldies, é ainda lembrada com carinho ao redor do mundo. O que mantém Nuggets vivo são as bandas de garagem que sempre surgem por aí. O espírito que essas bandas carregam é o mais importante, o mais bonito e essencial legado daquilo tudo. Sou muito grato por ter feito parte disso.

Entrevista originalmente publicada na edição 52 da poeira Zine

Bento Araujo e Lenny Kaye, Amsterdam 2013

poeiraCast 132 – A compilação Nuggets
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poeiraCast 49 – Os 60 anos do selo Elektra
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