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Mahavishnu Orchestra

Falar de Mahavishnu Orchestra é falar de seu incontestável líder John McLaughlin, nascido em 1942, em Doncaster, South Yorkshire, Inglaterra.

por Bento Araujo     30 mar 2016

MAHAVISHNU ORCHESTRAFalar de Mahavishnu Orchestra é falar de seu incontestável líder John McLaughlin, músico nascido em 1942, em Doncaster, South Yorkshire, Inglaterra. Sua mãe era violinista e ensinou música ao garoto muito cedo; aos oito anos ele já tocava com naturalidade e competência, piano e violino. Na vitrola, Django Reinhardt, Stephane Grappelli, Leadbelly, Muddy Waters e muito flamenco. Aos 16 anos de idade, impulsionado pela efervescente cena londrina de jazz e blues, McLaughlin se mudou para a capital e foi tocar ao lado de Alexis Korner, Georgie Fame, Brian Auger e Graham Bond. Trabalhou também como músico de estúdio, o que fornecia um modesto conforto monetário, mas não o satisfazia de maneira alguma. Sua técnica era demasiadamente avançada para a época, assim como sua inventividade; o primeiro a sacar isso é o produtor/empresário Giorgio Gomelsky, que através da sua Marmalade Records lança o álbum Extrapolation, em 1969, o primeiro disco de McLaughlin, onde ele pode colocar em prática suas ideias.

Do outro lado do Atlântico, Tony Williams, então baterista de Miles Davis, ficou de queixo caído com Extrapolation. Imediatamente mandou um convite para McLaughlin, que se muda para os EUA para ser o guitarrista do Tony Williams Lifetime. McLaughlin estava em completo êxtase, tocando em clubes sagrados do jazz norteamericano e entrando em contato com monstros do estilo. Num belo dia Williams vai visitar Miles para receber uma grana e McLaughlin vai junto. Miles, do nada, chega para o guitarrista inglês e fala: “Tenho uma gravação amanhã. Apareça e traga a sua guitarra”. Foi assim que McLaughlin gravou com Miles duas obras seminais naquele ano de 1969: In A Silent Way e Bitches Brew. O ícone do jazz sofreu muita pressão inclusive por estar contratando um guitarrista branco para sua banda e costumava dizer: “Me mostre algum negro que toque como John que eu o contratarei imediatamente”.

Após mais um álbum com o Lifetime de Tony Williams (Turn It Over), dois discos solo (Where Fortune Smiles e Devotion) e uma jam em estúdio com Hendrix, McLaughlin entra em contado com a filosofia hindu em 1970 e isso muda sua vida e seu som para sempre. O guitarrista necessitava expressar algo mais existencial em sua música e foi através dos ensinamentos do guru Sri Chinmoy que isso foi colocado em prática. McLaughlin estava ciente de seu papel e finalmente achara seu caminho espiritual através de Chinmoy, apresentado a ele via Danny Weiss, produtor e empresário de Lary Coryell. Quem também despertou o interesse de John pela espiritualidade foi Graham Bond, que lhe emprestou um livro sobre Tarô.

O guitarrista passou então a pesquisar as capacidades interiores do homem e declarou na época ao Melody Maker: “O valor do ser humano, e a procura de sua identidade, deve ser transmitido pelo artista, apesar de toda a dificuldade que possa haver nessa tentativa”. O próximo passo foi abandonar os vícios; as drogas, o álcool, o cigarro e a carne: “Essas coisas absorviam a minha energia necessária para uma total concentração”. Meditação e Yôga faziam parte de seu dia a dia agora e Sri Chinmoy o batiza como “Mahavishnu”, mesmo nome do Deus hindu famoso pelas suas qualidades de compaixão e justiça. My Goal’s Beyond, disco solo de McLaughlin que pintou em 1970, vinha totalmente acústico e dedicado a Sri Chinmoy. Tanto seu guru espiritual (Chinmoy) como seu guru musical (Miles) o alertaram: “Chegou o momento de você montar o seu próprio conjunto”.

Foi exatamente isso que John fez na sequência. Das sessões de My Goal’s Beyond manteve Billy Cobham e Jerry Goodman e montou a Mahavishnu Orchestra. Cobham e Goodman foram dois reforços de peso: “Eu sabia que Cobham era a única pessoa capaz de levar adiante aquilo já realizado por Tony Williams. Goodman foi uma busca ao meu primeiro instrumento e aos ensinamentos de minha mãe com o violino. Ouvi inúmeros violinistas até que chegou a vez de um disco de uma banda chamada The Flock. Seu nome nem constava nos créditos e precisei somente ouvir um único solo para mandar alguém ir buscar o cara numa fazenda no meio dos EUA”. Para o baixo veio Rick Laird, que John conheceu quando tocaram juntos na banda de Brian Auger. Nos teclados da Mahavishnu estava Jan Hammer, recém chegado da Tchecoslováquia e indicado por seu compatriota Miroslav Vitous, baixista do Weather Report.

A Mahavishnu Orchestra surgiu em 1971, com uma proposta completamente nova. Assim como o Weather Report, a MO era uma banda universal e multi-étnica: Cobham era Panamenho, McLaughlin inglês, Hammer era Tcheco, Goodman norteamericano e Laird era Irlandês. A riqueza sonora da banda traçou os parâmetros do fusion, tanto para o mundo do rock, como para o mundo do jazz. McLaughlin aparecia no palco todo de branco, de chinelos, tocando escalas exóticas na velocidade da luz, numa Gibson SG de dois braços. O violino não ficava atrás e tinha um destaque todo especial, assim como os malabarismos virtuosísticos de Cobham e Hammer. Esse último foi um dos primeiros a usar o Minimoog num combo de jazz, o que possibilitava solos livres, assim como os de guitarra e violino.

Toda essa massa de solos pintava por cima de uma base rítmica nada usual, repleta de tempos complexos e fora do comum; isso num mundo pop dominado pelo glam de Marc Bolan e Alice Cooper. Foi um choque naquele pessoal mais ligado na imagem do que no som… Quem resumiu esse impacto de maneira genial foi Maurício Valladares, na edição de número 26 do jornal Rock A História e A Glória: “As groupies de Marc Bolan já estavam também acostumadas com as piruetas de Keith Emerson, Robert Fripp e Steve Howe. Logo elas estavam ligadas na Mahavishnu, que não tinha nenhum pop star, mas estava se lançando no mercado com uma fantástica parafernália sonora”.

Talvez o mais importante foi o fato do grupo estar difundindo o jazz entre o público mais jovem e antenado do rock, que em breve estaria idolatrando os velhos nomes imortais do jazz. Esse fenômeno teve início em agosto de 1971, com o lançamento do primeiro trabalho da banda: The Inner Mounting Flame, que provou que a Mahavishnu era mesmo talvez o combo fusion mais entrosado do período, abusando de sentimentos extremos de paixão, devoção e velocidade. Os oito temas do disco, todos compostos por McLaughlin, possuem algo diferente a dizer, mas sempre tendo como pauta a conexão entre música e espírito. O grupo mostrava seus intuitos e John surgia como um bandleader dos novos tempos, aspirando muito mais adiante. Como dizia Sri Chinmoy: “Aspiração é o primeiro degrau; realização é o último”.

É também nesse período que a velocidade de McLaughlin na guitarra passa a ser muito falada por público e crítica. Zappa anos depois culpou John por ser o cara que fez todas as novas gerações “apostarem corrida” nos solos. Numa Guitar Player de 1975 o Mahavishnu em pessoa declarou: “Tocar rápido é relativo. Quem pensa que eu toco rápido deveria ouvir John Coltrane; ele subia e descia seus dedos em seu instrumento e as notas caíam como uma cascata… É tudo uma questão de sentimento, então passei a desejar articular esse tipo de sentimento na guitarra. Com muito trabalho, tudo se torna possível, só depende de você”. Vale lembrar que McLaughlin nunca mais em sua carreira soou tão próximo do rock e de Jimi Hendrix como em The Inner Mounting Flame.

Birds Of Fire foi o trabalho seguinte, que chegou às lojas em março de 1973, após ser gravado sete meses antes, em agosto de 1972. Na Inglaterra, Ian MacDonald escreveu no NME: “A ausência de soul do disco anterior foi suprida nesse aqui, graças à evolução natural de McLaughlin, que permitiu o controle da gravidade ao seu redor. O trabalho é menos confortável que o anterior, portanto é também menos apreciado de imediato, mas é altamente satisfatório quando apreciado num nível mais profundo e intenso. McLaughlin já ultrapassou a barreira das críticas. Qualquer coisa que eu diga sobre ele, ou sobre sua técnica, será enterrada imediatamente no solo, e seu habitat natural é a estratosfera. Até agora eu não tenho certeza se eu realmente gosto desse disco – só sei que certamente não posso enfrentá-lo. Eu me rendo, e eu aposto que você também irá se render”.

Apesar de todo mundo prestar mais atenção em McLaughlin, Stephen Davis, jornalista que resenhou Birds Of Fire para a Rolling Stone estava mais ligado em Billy Cobham: “A técnica ambidestra de Cobham é a mais nova sensação do mundo percussivo. Eu poderia facilmente ouvir por inúmeras vezes, e sem ficar entediado, somente as faixas de bateria deste elepê. Para os meus ouvidos, ‘One World’ traz a mais dramática percussão desde Elvin Jones acompanhando John Coltrane em ‘A Love Supreme’ nove anos atrás”. Para o nosso Mauricio Valladares, Birds Of Fire “deu prosseguimento às ideias do primeiro álbum e promoveu uma espécie de transfusão de sangue no então banal cenário musical. Agora a integração dos três solistas recebeu um tratamento especial da Orchestra e os solos não são mais vistos como uma parte isolada, individual, mas sim como fator integrante e inseparável de toda uma polifonia criada pelo grupo como se respondessem a si próprios, entrelaçando suas vozes em um incrível sistema de ecos”.

Os shows passam a ser verdadeiras celebrações de música, vida e espiritualidade, com Cobham abrindo o jogo para Chris Welch do Melody Maker: “Às vezes a música chega a ser pressionada ao nível de saturação. Sinto que a gente consegue tocar mais em menos tempo e deixar um sentimento ainda mais forte no coração das pessoas. Quando começamos a tocar, perdemos contato com o tempo. Se conseguíssemos fazer isso a banda estaria próxima da perfeição”.

Para fazer esse tipo de combustão acontecer numa rotina de shows quase todas as noites da semana, a concentração tem que ser plena e absoluta. Para essa filosofia ser colocada em prática, é comum alguns membros da equipe do grupo pedir silêncio à platéia antes dos concertos. A bateria transparente de Cobham e a guitarra de dois braços de McLaughlin, (agora não mais a SG, mas sim uma feita sob medida por um luthier e batizada como Double Rainbow) também eram um diferencial.

Ainda em 1973 a Mahavishnu grava mais um álbum de estúdio, que foi arquivado e lançado somente em 1999 sob o nome de The Lost Trident Sessions. Algumas faixas como “Dream”, “Trilogy” e “Sister Andrea” apareceriam no próximo disco ao vivo deles, Between Nothingness and Eternity, registrado no Central Park de Nova Iorque. Foi o último registro da formação clássica da banda, e McLaughlin foi acusado de dirigir tudo com mãos de ferro e não dar espaço aos demais integrantes. O músico se defendeu declarando à imprensa inglesa: “Foram bons tempos, mas para que novas etapas possam surgir é necessário acabar com o que está desgastado. O volume se tornou algo opressivo, estávamos frustrando os nossos objetivos. Chegamos a gravar um disco com composições de toda a banda, com exceção de Cobham, que estava gravado o seu disco solo. Os próprios músicos negaram esse lançamento e eu espero que ele seja ouvido um dia, pois é um belo disco”. Aqui o guitarrista se referia ao engavetado The Lost Trident Sessions.

McLaughlin então avisou todo mundo que estaria reformulando sua banda em três meses, assim todos teriam tempo de se virar. Para espairecer, foi gravar o disco Love Devotion Surrender com outro discípulo de Sri Chinmoy, o amigo Carlos Santana. Cobham e Hammer o acompanharam na missão. Um supergrupo foi proposto, no entanto, McLaughlin preferiu “se manter separado de Santana, pois assim seriam duas frentes lutando pelo mesmo ideal em grupos diferentes”.

Terminada a experiência com Devadip Santana (disco + tour + canja em Welcome), McLaughlin promoveu um renascimento da Mahavishnu, completamente diferente da versão anterior, principalmente pela inclusão de um quarteto de cordas e instrumentos de sopro. Para o violino vem o astro Jean-Luc Ponty, que na verdade era a primeira opção do guitarrista para a formação do grupo, no entanto, problemas com o visto de trabalho de Ponty nos EUA acabou retardando um pouco a parceria. A dupla teve também o apoio de outros jovens talentos como o baixista Ralphe Armstrong (com 17 anos na época) e Narada Michael Walden (com 21 anos e também discípulo de Sri Chinmoy). Para os teclados e vocais (!) veio Gaye Moran (esposa de Chick Corea), dando um toque feminino ao conjunto.

Essa nova encarnação está em Apocalypse, lançado em março de 1974, e que serviu como um grande passo para todos do grupo, já que estavam atuando ao lado da London Symphony Orchestra e da dupla de produtor/engenheiro original dos Beatles: George Martin e Geoff Emerick. A orquestra adicionou uma nova dimensão à música da Mahavishnu, e apesar de bem criticado na época, o disco é excelente, trazendo uma fusão inédita de jazz com rock e erudito, como fica evidente na faixa épica que encerra o trabalho “Hymn To Him”. Esse período da banda pode ser conferido no recém lançado DVD Live At Montreaux Jazz Festival ’74. Obrigatório.

Essa formação ainda registrou mais um grande trabalho em 1975: Visions of the Emerald Beyond, que trazia as duas fenomenais partes de “Eternity’s Breath”, recém registrada também por Jeff Beck, e uma pegada mais funk. Logo após o lançamento o Melody Maker estampa a manchete: “McLaughlin Back On The Beer”, dizendo ainda que ele não só rompeu com Sri Chinmoy, mas foi visto de cabelo comprido, e foi flagrado comendo um hot dog nas ruas de Nova Iorque.

Sem Ponty, sem Gayle e sem as cordas e metais, a Mahavishnu lança em 1976 o mais comercial Inner Worlds, que ao contrário do que o Melody Maker dizia, vinha inteiramente dedicado novamente a Sri Chinmoy. Stu Goldberg veio para os teclados e esse foi o último disco da banda, que encerrou suas atividades naquele mesmo ano. Aquele 1976 marcou também o rompimento do guitarrista com sua banda, sua esposa de muitos anos e finalmente com Sri.

Como de costume, McLaughlin estava buscando novos caminhos, que o levaram ao Shakti, seu principal projeto da segunda metade dos anos 70, como sempre repleto de religiosidade e misticismo, já que o grupo foi montado ao lado de músicos indianos.

A Mahavishnu Orchestra ficou sumida até 1984, quando McLaughlin chamou Billy Cobham para uma volta e lançou apenas dois discos: Mahavishnu (1984) e Adventures in Radioland (1986). Assim como Zappa na época, McLaughlin estava mais encantado com o sintetizador Synclavier do que com qualquer outra coisa. Isso deu uma cara bem diferente aos trabalhos, desagradando os fãs da antiga força sonora/espiritual da Mahavishnu Orchestra.

Artigo originalmente publicado na pZ 33

Billy Cobham – A impecável fusão de Spectrum

O que Cobham fez ao lado de Tommy Bolin em Spectrum serviu de exemplo para uma série de pesos pesados do estilo

por Bento Araujo     31 out 2014

Billy CobhamEm 1968 o tecladista Jan Hammer desembarcava em Boston, USA, chegando da distante e hoje extinta Tchecoslováquia. Logo ele se graduou na Berklee e passou um ano inteiro tocando com Sarah Vaughan. Por volta de 1970, Jan estava buscando novas aventuras, se mudou então para a parte baixa de Manhattan e lá travou contato intenso com a famosa cena jazz novaiorquina. Fez amizade com o flautista Jeremy Steig, que havia recém chegado do Colorado, onde fez muitas jams e gravações, uma delas ao lado de um guitarrista ainda adolescente chamado Tommy Bolin. Hammer ouviu os tapes e ficou impressionado com a guitarra do rapaz. Hammer estava integrando nessa época a Mahavishnu Orchestra, que tinha Billy Cobham como baterista. Cobham por sua vez também já conhecia aquele jovem guitarrista do Colorado… Durante um festival, a então banda do baterista (chamada Dreams) tocou ao lado do Zephyr, grupo o qual Bolin fazia parte.

Cobham e Hammer ficaram com o nome do garoto na cabeça e o destino tratou de confabular o primeiro encontro desse trio, em solo sagrado, no Electric Ladyland Studio, na NYC do início de 1971. Todos estavam escalados para as sessões do novo trabalho de Jeremy Steig.

Bolin perambulava pelo Electric Ladyland desde setembro de 1970, pois estava gravando o álbum Going Back to Colorado da banda que fazia parte, o Zephyr. No estúdio, que havia pertencido a Jimi Hendrix, Bolin conheceu inúmeros músicos de jazz e adorava acompanhá-los, mesmo sem saber ler partituras. Seu excelente ouvido, e sua habilidade em improvisar com pegada, agradava os jazzistas, então estava tudo em casa, além do mais, o garoto estava habituado com standards do jazz e com jams em clubes noturnos. As sessões de Jeremy Steig agradaram em cheio Hammer, e principalmente Cobham, que “conversava” espontaneamente com Bolin através da música. Ficaram loucos para fazer algo juntos, mas os compromissos da Mahavishnu impediram qualquer projeto naquele instante; Hammer e Cobham caíram na estrada com John McLaughlin e Bolin voltou para o Colorado. Por lá montou um grupo chamado Energy, que mesclava rock com jazz.

Tudo permaneceu calmo por mais dois anos, até que Cobham saiu da Mahavishnu e decidiu gravar seu primeiro disco solo. Para os teclados chamou Jan Hammer; para o baixo vieram Lee Sklar e Ron Carter, Joe Farrell cuidou dos sopros e Ray Barretto das congas. Para a guitarra, Cobham ligou imediatamente para o Colorado e escalou Tommy Bolin… Nascia então uma parceria que durou apenas um disco, mas que mudou para sempre a trajetória da fusão do rock com o jazz.

Billy Cobham nasceu no Panamá, em 1944, e cresceu no bairro do Harlem, em New York, cercado de música por todos os lados. Seu pai era pianista e com apenas oito anos de idade ele já ganhava uns trocos se apresentando ao lado do pai. Estudou teoria musical e bateria no famoso High School of Music and Art de NY, com vários gênios do jazz, e chegou até a prestar o serviço militar, onde atuou também como percussionista. Um ano depois foi membro da banda de Miles Davis, com quem gravou quatro álbuns, entre eles o excepcional Tribute to Jack Johnson. Depois de três discos com a Mahavishnu Orchestra, Cobham achou que era hora de mudar. Decidiu partir como solista dali por diante, pois queria criar algo mais acessível e digerível; algo menos complexo que pudesse de certa maneira atingir mais pessoas.

Billy Cobham - SpectrumSpectrum foi gravado também no Electric Ladyland, durante apenas três dias de maio de 1973. O que se ouve no disco foi quase totalmente registrado ao vivo em estúdio, num único take. Tommy Bolin só não gravou um tema, “Le Lis”, gravada pelo guitarrista John Tropea. Spectrum é de uma estonteante riqueza de ritmos, algo então inédito nos discos de rock. As levadas e viradas desconcertantes de Cobham são a espinha dorsal do trabalho, que é permeado também pelos teclados espertos de Hammer e pela guitarra sempre agressiva de Bolin.

O disco foi lançado em outubro de 1973 e foi um tremendo sucesso de público e crítica. As vendas impressionaram o baterista, mas a maior surpresa aconteceu por parte dos músicos, tanto do rock como do jazz. A fusão de jazz com rock era ainda uma deliciosa novidade para o mainstream. Os jovens que consumiam discos de rock adoraram a novidade, e tanto o jazz como o funk eram parte do novo universo musical dessa garotada.

A excelente repercussão de Spectrum impulsionou a carreira de Tommy Bolin. Logo ele foi substituir Domenic Troiano e Joe Walsh no James Gang, e anos depois substituiu Ritchie Blackmore no Deep Purple, além de ter lançado dois discos como solista: Teaser (com o amigo Jan Hammer e pitadas de fusion) e Private Eyes. Infelizmente uma overdose levou o jovem guitarrista em dezembro de 1976.

O que Cobham fez ao lado de Tommy Bolin em Spectrum serviu de exemplo para uma série de pesos pesados do estilo. A partir de então, era o sonho de todo jazzista lançar um disco repleto de grooves e com um guitarrista de rock pesado dando o molho ideal, resultando em vendas milionárias. Essa parecia mesmo ser a receita infalível dos tempos dourados da cena fusion da metade dos anos 70. Alphonse Mouzon, ex-baterista do Weather Report, foi um que tentou recriar a fórmula milagrosa de Cobham, chamando o próprio Tommy Bolin para gravar seu álbum Mind Transplant, em 1975. O resultado foi acima da média, mas sem o impacto certeiro de Spectrum.

Falando em impacto, foi após ouvir Spectrum que Jeff Beck resolveu cair de cabeça em sua fase jazz-rock de álbuns como Blow By Blow e Wired. Beck convocou Jan Hammer para lhe acompanhar nessa fase e gravou também um disco ao vivo com ele: Jeff Beck with the Jan Hammer Group Live. Beck foi talvez o sujeito “do rock” que se deu melhor na onda fusion que assolou os anos 70, e foi também o cara que estourou como precursor do lance, apesar de Billy Cobham e Tommy Bolin terem feito a mesma fusão alguns anos antes do guitarrista inglês.

Jan Hammer comentou que sempre ficou muito confortável com a situação, tendo tocado tanto com Beck como com Cobham e Bolin: “O fato de Jeff Beck ter feito muito sucesso nessa praia nunca me incomodou, pelo contrário, eu fiquei muito feliz que alguém o fez. Comercialmente falando, Beck era muito mais atraente, pois criou uma sólida base com o Yardbirds e com o Jeff Beck Group… Você sabe, ele foi parte da sagrada trinca de guitarristas que saíram do Yardbirds: Clapton, Beck e Page. Obviamente estava mais fácil pra ele colher os louros da fusão do rock com o jazz na metade dos anos 70, e ele fez isso da melhor maneira possível, sempre ouvindo tudo do jeito correto. Ele ouvia Cobham e também me ouvia, aliás ele é o primeiro a admitir isso… Beck depois colocou tudo isso em sua própria carreira, fazendo tudo soar extremamente particular, já que ele tem um timbre e um vocabulário único.”

Quanto Tommy Bolin, seu último show na Terra foi abrindo justamente um show de Jeff Beck.

Coisas do destino…

Artigo originalmente publicado na pZ 33, um especial sobre a cena fusion dos anos 70

pZ 33

Miles, Zappa, Jeff Beck, Mahavishnu Orchestra, Weather Report, Return To Forever, Herbie Hancock, Twenty Sixty Six and Then, Azymuth, Brazilian Octopus

por Bento Araujo     11 jul 2014

MILES DAVIS
A pZ comemora o lançamento de Bitches Brew, a obra-prima radical de Miles que desenfreou o nascimento de um novo estilo, o jazz-rock ou fusion. Tudo sobre a concepção e a gravação do álbum, a amizade e admiração recíproca de Miles e Jimi Hendrix, a repercussão conturbada entre os puristas do jazz, a aceitação do público roqueiro e muito mais.

FRANK ZAPPA
“Um filme para os ouvidos”. Foi assim que Zappa definiu seu álbum de 1969, Hot Rats, disco também considerado como um marco dos primórdios da fusão do rock com o jazz. Tudo sobre a confecção desse clássico e suas “continuações não oficiais”: Waka/Jawaka e The Grand Wazoo, ou seja, a
sagrada trilogia fusion de Zappa. Se Miles foi precursor em fundir o jazz com rock, Zappa foi o precursor no caminho inverso, fundindo o rock com o jazz.

MAHAVISHNU ORCHESTRA
A trajetória do combo de John McLaughlin que mudou os rumos da cena fusion dos anos 70. Os discos clássicos, os shows lendários e a repercussão da musicalidade/espiritualidade única do grupo no cenário internacional e até no Brasil.

WEATHER REPORT
As aventuras de Joe Zawinul, Wayne Shorter, Jaco Pastorius e muitas outras lendas que passaram pelo famoso grupo. Inclui as transgressoras infusões de moog e sintetizadores de Zawinul.

HERBIE HANCOCK
Tudo sobre Head Hunters, o disco de jazz mais vendido da história da indústria fonográfica e o responsável por abrir os ouvidos do grande público ao estilo.

JEFF BECK
O rei supremo da guitarra fusion em sua fase mais ousada, a dos discos Blow By Blow, Wired, There And Back e Live With The Jam Hammer Group.

RETURN TO FOREVER
Chick Corea, Stanley Clarke, Lenny White e Al Di Meola. Esse time reunido só pode ser encrenca da brava, ou seja, um dos melhores agrupamentos do estilo.

BILLY COBHAM

Quando o baterista da Mahavishnu Orchestra se aventura num disco solo ao lado de Jan Hammer e Tommy Bolin, o resultado só pode ser devastador. Tudo sobre Spectrum, um dos registros mais festejados do jazz-rock.

FUSION BRASIL
No Arquivo Verde e Amarelo, uma passada na cena brasileira. De Brazilian Octopus a Grupo Um, de João Donato a Banda Black Rio, de Eumir Deodato a Cesar Camargo Mariano, de Azymuth a Cheiro de Vida…

PARA ENTENDER A FUSÃO

Para encerrar esse nosso especial fusion, nada melhor do que passar a limpo quase 70 álbuns essenciais que fundiram o rock com o jazz. Estrelando: Arti & Mestieri, Dixie Dregs, Gong, Steely Dan, Embryo, Spinetta Jade, Iceberg, Jack Bruce, Nucleous, Nova, Sun Ra, Patto, Santana, Henry Cow, Soft Machine, Sloche, Magma e muito, muito mais!

E MAIS:
Keith Tippett, Twenty Sixty Six and Then, Tiny Tim, Jim Dickinson, Fermáta etc.