Steve Howe

A pZ entrevistou o guitarrista do Yes, que falou sobre os discos clássicos da banda, seus álbuns solo, suas passagens pelo Tomorrow, Asia e GTR, e seu lendário encontro com Frank Zappa, em 1967.

por Bento Araujo     15 jul 2014

Steve Howe poeira Zine – Na segunda metade da década de 1960, o Reino Unido parecia tomado pelo blues elétrico de Chicago. Quase todos os guitarristas queriam ser um novo Buddy Guy. Você surgiu com uma proposta musical completamente diferente, apostando mais na raiz do blues, que era essencialmente acústico. Fale mais sobre isso.

Steve Howe – Quando eu comecei a tocar guitarra, o rock ainda não existia, ou, se existia, era algo ainda muito novo. Meus irmãos me aconselharam, dizendo que música pop era um lixo e que, se eu quisesse realmente ser um bom músico, eu deveria escutar jazz e erudito. Então eu comecei a prestar atenção no trabalho de guitarristas que eram estrelas da música country na época. Les Paul foi um guitarrista que passei a escutar bastante. Todo um mundo novo se abriu diante de meus ouvidos. Por volta de meus 14 anos, ainda bem cedo na minha carreira, eu descobri Chet Atkins e Wes Montgomery, que, pra mim, foi uma combinação, ou se você preferir, foi a culminação de tudo o que um guitarrista poderia fazer com seu instrumento. Atkins era o meu músico favorito. Eu toquei blues elétrico por um tempo, no entanto, fui muito mais influenciado pelo blues acústico de caras como Big Bill Broonzy. Ele tinha uma voz maravilhosa, inclusive. Passei então a desenvolver meu estilo a partir disso. De certa forma, eu estava lutando contra a incessante influência do blues elétrico no rock britânico daquela época. Com Chet Atkins eu aprendi que um guitarrista de verdade poderia tocar qualquer estilo de música.

pZ – Como foi introduzir esse seu lado acústico na música do Yes?

SH – Foi natural e até mesmo ingênuo. Sempre gostei de folk, flamenco, jazz e música erudita. Inserir essa minha influência em discos como The Yes Album e Fragile foi até algo óbvio, mas que me deu muito prazer.

pZ – Falando em guitarra elétrica, você é um grande admirador de Frank Zappa. Chegou a conhecê-lo na época?

SH – Sim, nos conhecemos em 1967, quando eu tocava com o Tomorrow, banda que Zappa gostava. Ele entrou numa sala onde estávamos e disse: “Eu realmente curto a canção e o solo de guitarra de ‘Claramount Lake’. Vocês são fantásticos”. O mais incrível é que essa música é o lado B do compacto de “My White Bicycle”. Eu respondi ao Zappa: “Que nada, nós é que gostamos de você e do Mothers of Invention”. Ao mesmo tempo, eu pensava: “Jesus, Zappa elogiou o meu solo de guitarra!”. Esse tipo de elogio, vindo de um sujeito como ele, faz você acreditar que está indo no caminho certo. Naquela altura, eu era bem tímido e, digamos, chapado, então aquele elogio de Zappa me fez bem. Só tive que tomar cuidado para aquilo não atingir e sacudir o meu ego.

pZ – Em sua autobiografia, White Bicycles – Making Music in the 1960s, Joe Boyd escreveu que presenciar o Tomorrow tocando “Revolution” no UFO Club foi como estar diante da “apoteose do underground britânico dos anos 1960”. O que você achou dessa declaração?

SH – Boyd era um grande entusiasta da música praticada pelo Tomorrow e, até hoje, sou muito grato a ele por isso. “Revolution” era uma canção totalmente flower power. Nossas apresentações eram repletas de energia e isso cativava Boyd e a quem nos assistia ao vivo naquele período. Boyd acreditava muito no Tomorrow.

pZ – Outro dia desses estávamos reouvindo o seu primeiro álbum solo, Beginnings, aqui na redação. O que você se lembra dessa época?

SH – Foi algo muito lisonjeiro gravar um disco solo naquela época da minha vida. Foi decidido que os integrantes do Yes sairiam em carreira solo, então eu convoquei Clive Maldoon para cantar em meu disco, ele que havia tocado comigo na banda Bodast. (Nota: apostando nessa banda, Howe recusou convites para ingressar em bandas como The Nice e Jethro Tull. O disco que o Bodast gravou, em 1968, acabou sendo engavetado). Clive acabou não gravando o disco, então eu acabei cantando algumas canções. Foi então que o produtor do Yes, Eddie Offord, resolveu sair de férias, o que não era uma boa ideia, já que ele iria produzir o meu disco. Deu muito trabalho, mas foi divertido gravar Beginnings. Gostei de ter tocado baixo nesse disco.

pZ – Nessa época as gravadoras investiam gigantescas quantias de dinheiro em artistas e bandas como o Yes. Foi esse o caso desse seu disco solo com a Atlantic, certo?

SH – Exato. Era basicamente um convite à autoindulgência (risos). Era um mundo completamente diferente. Não importava se era caro, era uma questão do artista requisitar o que desejava para seu álbum e a gravadora concretizar esse desejo – seja ele uma grande orquestra etc. Eles queriam apenas que você fizesse o melhor disco possível. A quantia de dinheiro disponível era surreal e as possibilidades, mais surreais ainda.

pZ – Por cinco anos seguidos (de 1977 e 1981), você foi eleito pela revista Guitar Player como o melhor guitarrista do mundo. Assim que terminou essa sua hegemonia, você se encontrava no topo das paradas de todo o mundo com o Asia. Esse foi um dos momentos mais incríveis de sua carreira?

SH – Eu não sei ao certo (pensativo). Quero dizer, com certeza aquilo foi uma recompensa ao meu trabalho. Ser reconhecido dessa forma é uma conquista e tanto, assim como ser um dos guitarristas mais famosos num país tão grande como os Estados Unidos. O problema era ter a exata noção de que tudo isso estava acontecendo, mas que a qualquer instante aquilo poderia desmoronar. Quando gravei Fragile e Close To The Edge, com o Yes, eu sabia que tudo aquilo teria uma reputação gigantesca. Com meus dois primeiros discos solo, Beginnings e The Steve Howe álbum, passei a ter uma ideia do tamanho do meu sucesso como indivíduo, como solista e, consequentemente, como guitarrista. Nos anos 1990 eu comecei a fazer mais shows solo, pois estava desapontado com a maneira como tudo tinha acontecido em grupos como o Asia e o GTR. Era difícil manter tudo funcionando com essas bandas… Diversos problemas com empresários, advogados e contadores quase me levaram à loucura (risos).

pZ – Atuando como artista solo acaba sendo bem mais fácil…

SH – Absolutamente. Eu pago todo mundo e todos ficam felizes (risos). Dessa forma eu posso inclusive admirar melhor os talentos dos músicos que trabalham comigo. Gosto dessa liberdade, de fazer o que desejo e seguir o meu próprio caminho.

pZ – Vamos falar um pouco da nova excursão do Yes. Vocês estão executando três álbuns clássicos na íntegra, por quê?

SH – É tudo parte de um conceito, e tem sido extremamente gratificante colocar esse conceito em prática todas as noites. O Yes é uma banda de álbuns, então estamos tentando relembrar ao público a razão de álbuns como esses existirem. É bacana executar canções aleatórias de nosso grande catálogo, mas, tocando álbuns na íntegra, criamos um evento específico, algo muito próximo do que realizamos quando esses discos foram lançados, na década de 1970.

pZ – E com isso vocês certamente acabam realizando sonhos de muitos fãs, que desta vez irão assistir ao Yes tocando The Yes Album, Close To The Edge e Going For The One, na íntegra.

SH – Exatamente (empolgado). Esse é um dos pontos. Tocar discos na íntegra é muito mais atraente do que apenas ficar lá parado, executando uma espécie de greatest hits do Yes. A abordagem cronológica de nosso novo show também é interessante, pois mostra as mudanças e a evolução da música do Yes através desses discos.

pZ – Isso abre um precedente para que vocês, numa futura turnê, optem por executar outros três discos na íntegra. Tenho certeza que se vocês escolhessem tocar o Relayer, muitos fãs iriam se deleitar.

SH – Absolutamente. No próximo ano devemos cair na estrada tocando outros álbuns como Fragile, Drama e mais algum outro. Seria incrível tocar o Relayer, mas ele é complicado de se executar ao vivo, então não sei se seria muito divertido (risos). “Gates Of Delirium” e “Sound Chaser” são ótimos temas complexos, mas não os tocamos desde os anos 1970.

Entrevista originalmente publicada na pZ 48.

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