Shuggie Otis

Depois de uma trinca de álbuns essenciais no começo da década de 70, Shuggie simplesmente se afastou dos holofotes, até ser redescoberto por David Byrne, pelo pessoal do Stereolab e também por uma série de DJs

por Radames Junqueira     31 mar 2015

Shuggie Otis 2Garoto prodígio do blues, funk e soul, e filho do lendário Johnny Otis, ele muito cedo impressionou gente como Al Kooper, Frank Zappa, Sly Stone, Billy Preston e Mick Jagger. Depois de uma trinca de álbuns essenciais no começo da década de 70, Shuggie simplesmente se afastou dos holofotes, até ser redescoberto por David Byrne, pelo pessoal do Stereolab e também por uma série de DJs.

Em 1968 um certo espanto rondava as rodinhas de música pela América. No verão daquele ano, uma canção chamada “Country Girl” tocava sem parar nas principais estações de rádio… Era um dos maiores hits de Johnny Otis, um bandleader de r&b de mão cheia naqueles tempos. Mas isso não era o suficiente para causar aquele burburinho no meio musical, mas sim o fato de um boato que logo se mostrou verdadeiro: o de que a guitarra em “Country Girl” era tocada por um garoto de apenas 13 anos de idade.

Aquela pegada funky, digna de um velho bluesman, era cortesia de Johnny Alexander Veliotes, mais conhecido como “Shuggie” Otis, garoto que em plena tenra idade passava a noite tocando com seu pai em espeluncas pela região de Los Angeles. Para poder varar a noite sem ser pego pelos donos dos bares, Shuggie tocava de óculos escuros e bigode postiço, além de fazer de tudo para se parecer com um sujeito de 21 anos de idade.

Shuggie OtisO garoto cresceu rodeado pelos ensaios e gravações de seu pai e sua banda de apoio, que trazia sempre um grande nome das seis cordas, entre eles gente como Pete “Guitar” Lewis, Terry DeRouen, Chuck Norris, Jimmy Nolen, Pee Wee Crayton e T-Bone Walker. Shuggie ao mesmo tempo mamava e ouvia as frases desse pessoal pela casa…

Mesmo ouvindo B.B. King e Chuck Berry sem parar desde a infância, foi quando surgiram os Beatles que Shuggie resolveu que seu instrumento oficial seria a guitarra. Apesar dela ser seu maior trunfo, o garoto também se saía muito bem tocando piano, órgão, bateria e baixo, ou seja, era multi-instrumentista desde muito cedo. As influências também iam mudando com o passar dos anos. Do blues e r&b o garoto agora ouvia muitos nomes da Motown, Hendrix, Love e Sly Stone…

Logo a guitarra esperta de Shuggie chamou a atenção de Al Kooper, na época em total ascensão com o sucesso de seu projeto Super Session e a estreia do grupo Blood Sweat & Tears, onde Kooper ficou somente durante esse primeiro registro. Em 1969, Kooper queria trabalhar à todo custo com Otis, a nova sensação do pedaço, e assim o fez, colocando o pirralho de apenas 15 anos de idade para ocupar um posto antes ocupado por feras como Stephen Stills e Mike Bloomfield. Bastou para a crítica começar a comparar o guitarrista com Hendrix e os três “kings” do blues: B.B., Albert e Freddie.
O próximo a ficar de queixo caído com o guri foi Frank Zappa, que convidou Shuggie a participar das gravações de Hot Rats, sua pioneira incursão pelo fusion, mesclando rock com jazz.

A fluidez e desenvoltura de Shuggie pode ser ouvida e sentida na estupenda “Peaches En Regalia”, onde ele toca contra-baixo. Uma pequena curiosidade: o visual indefectível de Zappa, com “bigode e mosca” foi influência direta do pai de Shuggie, Johnny Otis, que nos anos 50 ostentava esse mesmo visual em seu popular show de TV chamado The Johnny Otis Show. Voltando a Shuggie, a Epic se ligou que estava perdendo tempo e imediatamente contratou Otis, na verdade depois de muita insistência de um sujeito de nome Larry Cohn, que trabalhava na estampa e ficou famoso por produzir anos mais tarde o seminal box com as sessões de Robert Johnson. Cohn inclusive garantiu anos depois que Johnson e Otis tinham uma peculiar similaridade, um talento “não executado”… algo que foi feito em sua época mas que certamente só terá o merecido valor anos depois. Foi através de Cohn que Shuggie lançou (via Epic) sua estreia como solista em 1970: Here Comes Shuggie Otis.

No ano seguinte pintou Freedom Flight, outro grande álbum, com a Epic apostando forte na promoção da bolacha, com anúncios em revistas especializadas e nas principais rádios do país. Mesmo assim as vendas eram indiferentes.

Isso levou Otis a tocar uma vida um pouco mais reclusa e a se concentrar em seu novo e mais ambicioso projeto até então, o disco Inspiration Information, que levou três anos para ser finalizado, na época, uma verdadeira eternidade, já que a maioria dos grandes artistas lançavam até mais do que um disco por ano… O atraso se devia principalmente aos experimentos do músico e a uma espécie de auto-aprendizado, com baterias eletrônicas (quando isso ainda estava na idade da pedra), soul existencial, orquestrações aveludadas e guitarras jazzísticas, além do melhor espírito “do it yourself”, já que que Otis gravou o disco inteiro praticamente sozinho. Essa atitude seria muito copiada anos adiante por outros artistas negros como Prince e Lenny Kravitz.

Teimoso e inflexível, e também um bocado frustrado com o fracasso comercial do genial Inspiration Information, Otis passou a simplesmente recusar todas as boas ofertas que batiam a sua porta. Primeiro ele dispensou a oferta de Billy Preston, louco para convencer Shuggie a participar de uma audição para ser o novo guitarrista dos Stones, e consequentemente ser seu novo parceiro de banda. Depois ele abriu mão de trabalhar com Quincy Jones, cotado para produzir seu próximo álbum pela Epic (que nunca veio a ser lançado). Depois de mais alguns incidentes pela estrada, Shuggie finalmente se sentia aliviado… A Epic deixava ele em paz, para seguir apenas como músico de estúdio e um daqueles caras que se recusa a se enquadrar no esquemão dos grande selos…

Em 1977, uma canção de sua autoria (“Strawberry Letter 23”) chegou ao topo das paradas, em versão dos Brothers Johnson. Desde então Shuggie sumiu do cenário, gravando e excursionando esporadicamente, somente para satisfazer seus próprios desejos.

Com o passar dos anos, sua música voltou a ser falada por gente influente no cenário, como David Byrne, que relançou Inspiration Information pelo seu selo Luaka Bop, em 2001. Foi esse selo inclusive que mostrou ao mundo o “quão cool” era o trabalho dos Mutantes, Tom Zé, Tim Maia, etc…

A música de Otis também passou a ser sampleada por DJs e rappers, além de achar seguidores no ramo da música ambiente e eletrônica: “Inspiration Information não desencadeou um novo estilo de se fazer música na época, mas depois sim”, garantiu Tim Gane, do Stereolab.

Artigo originalmente publicado na pZ 27

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