A despedida de Peter Frampton do Humble Pie

O guitarrista deixou o Humble Pie após o duplo ao vivo Performance: Rockin’ The Fillmore, registrado em maio de 1971

por Bento Araujo     22 abr 2015

Humble PieEm janeiro de 1971 o Humble Pie lançou Rock On, que foi o primeiro disco da banda a sair no Brasil, em versão mono e embalada na gloriosa “capa sanduíche”. O material do álbum vinha sendo ocasionalmente apresentado durante as tours americanas e isso deu uma certa força e direção ao trabalho, que mostrava um Pie cada vez mais pesado e confiante. Surtos de excesso de confiança passavam a acometer Steve Marriott, que para as gravações transformou o Olympic Studios numa imensa festa, com participações de cantoras negras como PP Arnold, Doris Troy e Claudia Lennear.

Marriott resolveu assumir a liderança do grupo, afinal de contas ao vivo ele era o mestre de cerimônias da festa, encantando a todos com sua voz de alma negra. O empresário Dee Anthony por sua vez admirava cada vez mais essa atitude do vocalista, porém, dentro da banda, as coisas começaram a mudar e a primeira crise interna surgiu: Frampton queria mais destaque e não se sentia muito confortável com o novo comportamento mais explosivo e ditatorial de Marriott.

Curioso o fato de Marriott apresentar uma atitude mais reflexiva e contida nos primeiros dias de Humble Pie, essa que combinava perfeitamente com o comportamento, digamos, até tímido de Frampton. Por volta de 1971, com o lançamento de Rock On, o sangue de Marriott voltou a ferver e sua autoconfiança estava mais forte do que nunca. Peter Frampton foi o primeiro a sentir o baque: “Steve não estava preparado para dividir os holofotes com mais ninguém além dele mesmo. O Pie passava a ser a “sua banda” e não mais a “nossa banda”. A direção musical do grupo também estava ficando cada vez mais pesada e aquilo não era a minha onda”.

Frampton ainda participaria de mais um álbum, o excepcional duplo ao vivo Performance: Rockin’ The Fillmore, registrado em maio de 1971, quando a lendária arena de Bill Graham estava para fechar suas portas. Quando a bolacha chegou às lojas, Frampton já estava fora do time, e de forma acrimoniosa: “Chegou num ponto onde tínhamos dois líderes no grupo, eu e Steve, sendo que ele gritava muito mais alto do que eu! O Pie começou de forma extremamente democrática, tudo o que qualquer um de nós compunha acabava entrando em disco, não tínhamos restrições. Quando começamos a tocar bastante pela América, as relações ficaram mais estreitas entre a gente e era óbvio o que a platéia de lá queria, rock pesado e blues, que eu adorava, mas eu também estava compondo dentro de outros estilos diversos como jazz e r&b. Não havia mais espaço para esse tipo de sonoridade dentro daquele grupo. Então musicalmente eu estava completamente frustrado. O Humble Pie foi um grande aprendizado para mim, mas com a idade chegando eu fui mudando e aquilo não fazia mais sentido.Tentei explicar a eles os meus planos e a minha atitude de deixar o grupo, mas eles não quiseram entender e ficaram malucos comigo. Devo admitir que nunca me arrependi dessa decisão”.

Antes de Frampton partir, o Humble Pie fez os dois maiores shows de toda a sua carreira, ambos abrindo para o Grand Funk Railroad. O primeiro deles foi diante de mais de 50 mil pessoas no Shea Stadium, em NY, naquele famoso show onde o Grand Funk quebrou o recorde dos Beatles na rapidez da venda dos bilhetes. O segundo foi no Hyde Park, em Londres, para quase 100 mil pessoas. Foi nesse show aliás que a platéia britânica sacou pra valer a força do Pie no palco. Foi nessa ocasião que o grupo passou a ser mais respeitado em casa. A imprensa por sua vez começava a comparar o Humble Pie com o Grand Funk, com Marriott se defendendo, dizendo que já fazia esse som pesado muito antes da banda americana. Apesar da polêmica, Marriott e Frampton aprenderam bastante com o Grand Funk, como o próprio Frampton declarou, dizendo que assistir Mark Farner no palco todas as noites foi um belo aprendizado em termos de como se comunicar com a audiência.

Voltando a crise dentro do Pie, a gota d’agua entre Marriott e Frampton aconteceu quando esse último recusou-se a comparecer num ensaio do Humble Pie, optando por ir assistir a um concerto do Who no Royal Albert Hall. Marriott ficou extremamente furioso com a atitude displicente do guitarrista, pois trabalho com o Pie era sempre a prioridade de todos os envolvidos. Quando se encontraram depois do show do Who, Marriott concordou mesmo em deixar Frampton partir e fez questão de “demiti-lo” do grupo. Na verdade Frampton estava doido para ouvir isso… A situação estava impraticável entre a dupla, sendo que Frampton chegou a declarar para a Rolling Stone em 1977 que, durante aquela semana de shows no Fillmore, Marriott costumava urinar dentro do guarda roupa de Frampton só de raiva, como uma espécie de retaliação a atitude do guitarrista de abandonar o grupo em breve. Foi quando a banda havia finalmente conquistado a América que Frampton quis sair, e aquilo era um golpe traiçoeiro demais para Marriott suportar, ainda mais vindo de um cara que passou a ser respeitado como músico graças as constantes declarações do próprio vocalista em prol de seu guitarrista protegido…

A partida de Frampton machucou demais Marriott, que fazia questão de esconder isso até mesmo de Ridley e Shirley e também do empresário Dee Anthony. Mesmo com esse desespero interno dentro da banda, o disco ao vivo foi um avassalador sucesso na América, sendo o primeiro disco de ouro do grupo. Com isso, as vendas do álbum anterior, Rock On, também decolaram, com ele também se tornando disco de ouro posteriormente.

Performance: Rockin’ The Fillmore resolveu um antigo problema do grupo, cuja principal preocupação era a de não conseguir em estúdio uma atuação tão eletrizante e carregada de emoção como a de seus concertos. Desde a primeira tour pela América, a banda inglesa já tinha tocado cerca de 20 vezes no Fillmore, então nada mais natural do que registrar o disco na casa de Bill Graham. Quatro shows foram gravados em rolo, todos eles acontecendo em apenas dois dias: 28 e 29 de maio de 1971. No repertório, quase nada dos álbuns anteriores de estúdio, mas sim algumas das mais emocionantes e viscerais releituras de clássicos do r&b norte-americano. A matéria prima havia sido colhida por aqueles ingleses na própria América que agora consumia tudo o que era seu, mas num novo formato, mais moderno e agressivo. A torta estava servida…

Artigo originalmente publicado na pZ 28

  1. Ricardo de Oliveira Nunes

    Excelente histórico dessa que uma das bandas mais representativas do hard rock setentista. Parece que a maior parte das bandas quando está no auge sempre se depara com algum desentendimento entre os componentes como ocorreu com bandas como o Pink Floyd e Beatles.

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  2. João

    Embora alguns do pcast insistam em criticar a banda, inegavelmente um dos primeiros supergrupos, tirando o Jerry Shirley todos os demais vinham de bandas de renome. E pouco se fala do baixar Greg Ridgley, excelente vocalista também.

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