Grateful Dead – Live/Dead

Até hoje, muita gente não digere bem o experimentalismo lisérgico e desenfreado de Live/Dead

por Bento Araujo     11 Maio 2015

Grateful Dead – Live/Dead (1969)

Live DeadO que dizer de uma banda formada por um tocador de banjo fanático por bluegrass, um especialista em experimentos musicais eletrônicos de vanguarda, um organista de blues, e mais alguns caras fanáticos imersos nas cenas de folk, jazz e jug bands dos anos 60? Só poderia ser um imenso barato viajante, e é exatamente esse o lance do Grateful Dead.

Capitaneados pelo genial e único Jerry Garcia, o Dead foi a principal trilha sonora dos Acid Tests de São Francisco, onde milhares de jovens experimentavam LSD, numa época em que esse ainda era liberado e comercializado livremente. Se por um lado o alucinógeno foi proibido em 1966, a criatividade latente de Garcia e sua trupe foi libertada de vez, fazendo que que mudassem o nome de Warlocks para Grateful Dead. A reputação dos caras era a de tocar (ou melhor improvisar) completamente chapados, levando inclusive em alguns casos cerca de meia hora para afinar os instrumentos no palco e depois mais meia hora para decidir qual canção executar…

Depois de alguns discos de estúdio, o Dead chegava a 1969 completamente quebrado financeiramente, devendo os tubos para seu selo, a Warner. A gravação do então mais recente disco de estúdio (Aoxomoxoa) havia sido longa e traumática e era evidente que o experimentalismo daquela obra jamais iria vender horrores e pagar pelo menos parte desse imenso débito. No meio daquela alucinação toda, alguém teve uma brilhante ideia: gravar um disco ao vivo. Além de ser bem mais barato do que uma produção em estúdio, o novo trabalho certamente registraria aquilo que a banda sabia fazer de melhor, longas e lisérgicas jams espaciais, onde a interação com a plateia (também chapadona) era total.

Foi aí que a Warner comprou a ideia, salivando para poder ao menos amenizar os débitos daquele bando de junkies cabeludos. Com uma mesa “state-of-the-art” para a época (16 canais!), o Dead registrou shows em alguns dos templos sagrados de São Francisco; o Fillmore West, o Avalon e o Carousel. Estava registrado em tape para sempre, o autêntico som viajante da Bay Area dos anos 60…
O disco duplo tem início com os 23 minutos do épico tema “Dark Star”, uma orgia multicromática de escalas modais, daquelas usadas por monstros do jazz como Miles Davis e John Coltrane. Aqui o que mais conta é o fator “mistério”; ninguém sabia onde a canção ia terminar, nem a banda e muito menos o público, daí o sucesso entre os fãs do Dead, os famosos Deadheads, uma verdadeira legião que até hoje cresce pelos EUA e pelo mundo. Segundo esses Deadheads “Dark Star” só era executada naquelas noites em que a banda estava viajando alto, era preciso alcançar um certo nível de alucinação para executá-la e em alguns shows, o tema passava fácil dos 40 minutos de duração.

A eletricidade e a excitação daquelas noites são perfeitamente sentidas no medley “Saint Stephen/The Eleven”, onde o duelo de guitarras de Jerry Garcia e Bob Weir travam batalha também com as linhas de baixo complexas e peculiares de Phil Lesh. Dando o molho, temos ainda a força polirítimica de duas baterias. Caso você não esteja no “clima” certo, os oito minutos de “Feedback” (o título já diz tudo); e “Turn On Your Love Light”, que ocupa todo um dos lados do vinil duplo, pode vencer a sua paciência. “The Eleven” é baseada no nada usual tempo e andamento imposto pelo baixista Phil Lesh, e segundo o próprio, o tema foi concebido para ser uma viagem rítmica e não uma simples canção. Outra grande passagem de Live/Dead é “Death Don’t Have No Mercy”, com a tradicional voz fragilizada e guitarra flamejante do Captain Trips em pessoa, Mr. Jerry Garcia.

Para a alegria geral de todos o álbum foi um sucesso e pelo menos metade da dívida do Dead com o selo foi sanada. Para quitar a outra parte, o Dead se aventurou numa fase mais comercial e básica, mas não menos genial, buscando as origens da música norte americana, que desembocou em duas maravilhas lançadas no ano seguinte (1970): Workingman’s Dead e American Beauty, excelentes recomendações para “iniciar-se” no som do grupo.

Até hoje, muita gente não digere bem o experimentalismo lisérgico e desenfreado de Live/Dead, no entanto, quem bem resumiu o intuito da obra original foi o grande crítico e músico Lenny Kaye, que em 1969 escreveu numa resenha da Rolling Stone: “Esse disco explica porque o Dead tem uma das melhores performances ao vivo da América… simplesmente porque a música da banda alcança certos níveis que a maioria dos outros grupos desconhece completamente”. Convencido?

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